POLÍTICA

Tarcísio assume liderança da direita descolada de Bolsonaro

Publicado em: 10/07/2023 09:04 | Atualizado em: 10/07/2023 10:20

 (Foto: Washington Costa/MF)
Foto: Washington Costa/MF
A crise de relacionamento entre a extrema direita e Tarcísio de Freitas (Republicanos), têm somado pontos para o até então pupilo de Jair Bolsonaro (PL), que tenta fazer um movimento em direção ao centro. Eleito na esteira do ex-presidente e integrante da Esplanada no governo passado, o ex-governador de São Paulo se consolida como um nome moderado da direita ao manter uma relação de cordialidade com o trato amigável com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu primeiro escalão.

A cobrança pública de Bolsonaro e seus apoiadores ao governador por sua postura favorável à aprovação da reforma tributária expôs a crise que vinha sendo mantida nos bastidores, mas não foi o primeiro episódio que causou estresse entre Tarcísio e sua base eleitoral mais radical. Em 30 de outubro do ano passado, consolidada a eleição de Lula em segundo turno, o também recém-eleito governador afirmou que buscaria "o melhor diálogo possível" com o novo presidente.

O governador paulista reuniu-se mais de uma vez com Lula e integrantes do governo federal, chegando, inclusive, a subir em palanques ao lado do petista. Mesmo assim, procura não afrontar o bolsonarismo com postura de independência. Nas discussões sobre a reforma tributária, Tarcísio esteve contrário até a última semana de negociações, quando os governadores e prefeitos vieram em peso a Brasília para tentar garantir eventuais perdas na arrecadação com a unificação de impostos.

Tarcísio e vários governadores decidiram, na última hora, no dia da votação, apoiar o texto da reforma. A mudança de posição veio depois do acordo com o relator da proposta de emenda constitucional, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que acatou demandas dos estados liderados pelo governador paulista. Foi nesse contexto que ocorreu a reunião no PL, logo depois do ajuste da PEC.

Na leitura de Tarcísio, que tentou explicar a Bolsonaro e aos parlamentares do partido do ex-presidente, a reforma estava encaminhada e tentar barrá-la só traria mais "narrativa" para a esquerda. Fracassou e foi hostilizado na reunião, conforme as imagens que correram as redes sociais.

A foto ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad — ex-adversário de Tarcísio na corrida ao Palácio dos Bandeirantes, em 2022 —, mostrou que prevaleceu, sobretudo, pragmatismo político nas negociações. O apoio do governador à reforma irritou as figuras mais leais a Bolsonaro, que tentam transformar a votação da reforma em um terceiro turno eleitoral contra Lula e a esquerda.

"O que ele (Tarcísio) disse foi o seguinte: vamos todos abraçar a reforma tributária para que ela seja de todos, e não leve todo o capital político para o presidente Lula. Só que o Bolsonaro não soube trabalhar nessa linha", avalia o cientista político André Rosa. Em sua visão, o ex-presidente rachou a direita, que pode projetar ainda mais o governador paulista.

"Bolsonaro cometeu um primeiro grande erro à frente da oposição. Na verdade, a análise do Tarcísio foi lúcida. O ex-presidente apostou que barraria a matéria em um Congresso de maioria conservadora. Só que ele não é mais presidente e percebeu que não tem como frear uma PEC contra um governo que liberou bilhões em emendas", complementou Rosa.

O papel de Bolsonaro para a direita, no momento, é eleitoral. Inelegível, ele tenta angariar aliados para disputar as eleições municipais de 2024, mas pretende ser um cabo eleitoral para o ainda distante pleito de 2026. Para esta, Tarcísio já como potencial candidato à Presidência pelo espectro de direita e sem os votos do bolsonarismo — apesar da boa relação que mantém com o antigo chefe.

Perda de capital
O saldo é de que o ex-presidente colheu mais uma derrota ao tentar articular uma ofensiva contra a reforma, enquanto Tarcísio ganhou protagonismo liderando os governadores nas negociações do texto. Para o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Sérgio Praça, "a reforma não tinha um perdedor político claro até Bolsonaro se apresentar como essa figura. Ele estava quieto, não teria sido considerado um perdedor, mas, na véspera, fez questão de reforçar o coro contra".

Outros quatro governadores ligados ao ex-presidente se posicionaram favoravelmente à reforma: Cláudio Castro (PL-RJ), Ratinho Jr. (PSD-PR), Romeu Zema (Novo-MG) e Ibaneis Rocha (MDB-DF). Praça lembra que Tarcísio é um conservador pragmático.

"Jogou bem, aproveitou o momento e saiu surpreendentemente como um dos vitoriosos da reforma, mas não podemos esquecer de que é um conservador pragmático. Ele, que fez carreira política graças ao bolsonarismo, conseguiu dar um passo para se dissociar da extrema direita, saindo como moderado depois de encontro com Haddad", afirmou.

Apesar disso, Praça salienta que é cedo para considerar Tarcísio um nome forte para a próxima corrida ao Palácio do Planalto. "Ele ainda pode concorrer a uma reeleição em São Paulo. Pelas movimentações que estamos vendo, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, tem mais pressa e irá se filiar ao PL pensando na disputa da Presidência".

Sérgio Praça crê que a derrocada de Bolsonaro está acelerada. "A tendência, claro, é de que ele perca mais poder político nos próximos meses. E essa direita, que antes era bolsonarista, como Zema e Tarcísio, tem que se reagrupar em torno de outros partidos e outros personagens. Talvez isso (a reforma) tenha acelerado esse processo", afirmou.

Parlamentares aliados do ex-presidente dizem que o episódio deixou claro que Tarcísio não joga com o time e tem um projeto político próprio. O movimento de independência pode lhe custar ainda apoio no estado, ao mesmo tempo em que vai precisar dos votos da direita na Assembleia Legislativa e em eventual projeto presidencial.

Mesmo com a possibilidade de Tarcísio se tornar alvo ao se descolar do bolsonarismo, Praça acredita que o governador nada tem a perder. "Quando chegar a hora de escolher entre Tarcísio e um candidato à esquerda, o bolsonarismo ainda vai optar por Tarcísio. O custo político desse impasse para ele foi zero", avaliou.

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