Política
CONFLITO
Oito meses antes de demissão, Moro se negou a falar sobre interferência de Bolsonaro
Publicado: 24/04/2020 às 19:19

/Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

A afirmação do agora ex-ministro Sergio Moro, ao anunciar sua demissão nesta sexta-feira (24), de que Jair Bolsonaro (sem partido) queria ter acesso a informações confidenciais da Polícia Federal corrobora declaração feita pelo próprio presidente oito meses antes.
"O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, pudesse colher informações, relatórios de inteligência. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação", disse Moro em sua saída.
Anteriormente, no entanto, o ex-juiz se negou a falar sobre suposta interferência do presidente no órgão de investigação. Em junho de 2019, Bolsonaro afirmou ter tido acesso a inquérito, que tramitava sob segredo, sobre os laranjas do PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu, em Minas Gerais.
Na ocasião, Bolsonaro foi questionado no Japão, onde participava de reunião do G-20, sobre operação deflagrada pela PF no dia anterior, em 27 de junho, que prendeu um assessor especial e dois ex-assessores do ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), denunciado, posteriormente, por comandar um esquema de desvio de recursos públicos por meio de candidaturas femininas de fachada nas últimas eleições.
As investigações da PF e do Ministério Público sobre o caso foram iniciadas com base em reportagens da Folha de S.Paulo publicadas em fevereiro daquele ano, que também revelaram esquema de candidaturas de fachada no PSL em Pernambuco e levaram à queda do então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que chefiou o partido nacionalmente em 2018 -ele morreu em março de 2020, aos 56 anos.
"Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal pra mim. Mandei um assessor meu ler porque eu não tive tempo de ler", afirmou Bolsonaro na ocasião, em entrevista coletiva em Osaka. O caso, no entanto, tramitava sob segredo na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais.
O presidente havia dito ainda ter solicitado novo rumo à apuração: "Determinei à PF que investigue todos os partidos onde candidatas receberam quantidades enormes e tiveram votos mínimos. Tem que valer para todo mundo. Não ficar fazendo pressão em cima do PSL para tentar me atingir".
Dias depois, ao ser indagado pela Folha de S.Paulo, o Ministério de Justiça confirmou o repasse de informações ao presidente. Acrescentou ainda que elas não interferiam no trâmite das investigações. Na ocasião, o jornal quis saber, entre outros pontos, por que Moro encaminhou uma cópia da investigação ao presidente e qual o amparo legal para o repasse de informações cobertas por segredo de Justiça.
Em seguida, a pasta então sob mando de Moro divulgou novo comunicado, no qual afirmou ter repassado ao presidente apenas dados que não pudessem comprometer o sigilo das apurações -as informações, segundo o ministério, haviam sido solicitados por Bolsonaro.
O TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Minas, procurado à época, confirmou o sigilo do inquérito, fato reiterado pela PF, que não abordou, no entanto, o repasse dos dados para Bolsonaro. Também questionados pela Folha de S.Paulo, o Palácio do Planalto e o então ministro Moro não responderam.
O jornal ainda solicitou ao Planalto e ao ministério, por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), acesso aos dados repassados por Moro a Bolsonaro. Em resposta, o ex-juiz disse apenas que sua pasta já havia tratado do caso, fazendo menção ao comunicado emitido sem quaisquer documentos.
A bancada do PT no Congresso pediu então ao STF (Supremo Tribunal Federal) que Bolsonaro e Moro fossem investigados. O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, no entanto, mandou arquivar o caso em dezembro, atendendo solicitação de Raquel Dodge, então à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República), que não tomou depoimentos dos acusados nem abriu investigação sobre o repasse de informações.
Agora, interrompido o silêncio de Moro, o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que o STF autorize a oitiva do ex-ministro para apurar as acusações contra o presidente -se não comprovadas, no entanto, o ex-juiz pode responder pelo crime de denunciação caluniosa.
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