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STF adia para data indefinida a anulação de sentenças da Lava-Jato

Publicado em: 03/10/2019 07:44

Nelson Jr./CB/D.A Press
Horas depois de anunciar que o Supremo Tribunal Federal definiria nesta quinta-feira (3) uma regra para delimitar o alcance da decisão que pode resultar na anulação de condenações feitas no âmbito da Lava-Jato e de outras operações, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, informou nesta quarta-feira (2) à noite, por meio da assessoria, que a votação foi adiada para data ainda a ser definida. O adiamento ocorreu porque um dos ministros do tribunal não poderá participar da sessão desta quinta-feira e Toffoli gostaria que todos os  magistrados estivessem presentes para debater o assunto.

O tema surgiu depois que, em julgamento que começou na semana passada e terminou nesta quarta-feira (2), o tribunal decidiu, por 7 votos a 4, criar norma que dá a réus delatados, ou seja, citados em acordos de colaboração premiada, o direito de apresentar as alegações finais depois dos delatores. Com isso, sentenças de processos em que delatores e delatados se manifestaram ao mesmo tempo podem ser anuladas. Por 8 votos a 3, no entanto, o plenário do Supremo decidiu que é necessário formular uma tese para deixar claro quais casos se enquadram no novo entendimento da Corte.

O Código de Processo Penal, a Lei das Delações e a jusrisprudência do próprio STF não estabelecem diferença entre réus, delatores ou delatado. Daí por que, nos julgamentos da Lava-Jato, todos apresentavam as alegações ao mesmo tempo. O impasse foi gerado no julgamento de um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira. Os advogados alegaram que ele foi prejudicado por apresentar a última etapa de sua defesa ao mesmo tempo que os delatores, e o Supremo decidiu anular a condenação de Ferreira. Esse entendimento, apesar de inexistente até então, pode fundamentar pedidos de anulação das condenações de outras pessoas que já foram julgadas.

Por conta disso, a Corte deve decidir se a regra vale apenas para casos futuros ou para ações que já foram julgadas — a fim de nortear o trabalho de juízes e tribunais pelo país. Se definirem que vale para casos anteriores, também deve ser fixado se serão beneficiados apenas os acusados que apresentaram reclamações ao Poder Judiciário ou se quem não questionou o andamento processual também será afetado.

Tubarões
Último ministro a votar antes de Toffoli na discussão sobre a ordem das alegações finais, o ministro Marco Aurélio Mello criticou o entendimento da maioria. Observando que a legislação em vigor não trata do assunto, ele afirmou que o STF “não pode legislar”, ou seja, criar leis. Na avaliação dele, a Constituição prevê a igualdade entre os réus, por isso, o Supremo não pode dar maior prazo para alguém que esteja sendo julgado, e criar diferentes tipos de acusados. “A sociedade vinha aplaudindo sucessos da aclamada operação (Lava-Jato). Eis que o STF, à margem da ordem jurídica, vem dizer que não foi bem assim, que o sucesso se fez contaminado no que se deixou de dar, nas alegações finais, tratamento especial ao delatado”, disse.

O ministro declarou também que a decisão que permite a anulação de sentenças não atua a favor dos cidadãos mais pobres, mas beneficia apenas “tubarões da República”, como ele classificou os acusados com grande influência. “Passa a transparecer a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito em termos de responsabilidade penal, com o famoso jeitinho brasileiro, e o que é pior: em benefício não dos menos afortunados, mas dos chamados tubarões da República”, disse Marco Aurélio. Ele também foi contra a fixação de uma tese para determinar quais casos deveriam ser beneficiados. 

Visivelmente incomodado com a fala de Marco Aurélio, Dias Toffoli rebateu, declarando que não existiria combate à corrupção sem a participação da Suprema Corte. “Todas as leis que aprimoraram a punição à lavagem de dinheiro, as leis que permitiram a colaboração premiada, as leis de transparência, foram previstas com suporte do STF. Se não fosse o STF, não haveria combate à corrupção”, afirmou.

Toffoli suspendeu a sessão antes da fixação da tese, e disse que o assunto é o primeiro item da pauta de votações desta quinta-feira. No entanto, antes do julgamento, ele propôs duas regras que podem ser aplicadas para delimitar a amplitude do impacto da decisão da Corte. Para ele, devem ter a condenação suspensa apenas os réus que tiverem questionado a ordem das alegações finais na primeira instância. Além disso, para o ministro, o direito de voltar à fase de alegações finais deve ser concedido apenas aos condenados que provarem ter sofrido prejuízos concreto à defesa em decorrência do prazo concedido para apresentar os últimos argumentos perante a Justiça. “Não cabe impugnação do delatado ao acordo, mas cabe a ele a última palavra”, disse.

Caso a sugestão dele seja atendida, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será beneficiados, pois na época da condenação dele, no processo relacionado ao triplex do Guarujá, a delação do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, que acusa o petista de corrupção, não tinha sido homologada.

O jurista Daniel Gerber, mestre em direito penal e processual penal, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), entende que o Supremo seguiu à risca o que está previsto na Constituição, que garante o direito à ampla defesa. “Por óbvio, delator e delatado ocupam posições processuais distintas, motivo pelo qual não podem sofrer o mesmo tratamento. Sem dúvida alguma, e conforme hoje decidido pelo Supremo Tribunal Federal, cabe ao delatado, sempre, a última palavra. Quanto à modulação dos efeitos, ao que tudo indica, a existência do prejuízo deve ser demonstrada para que, somente assim, se nulifique alguma decisão condenatória que já tenha sido proferida nos autos”, disse.
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