Entrevista

Teólogo Leonardo Boff comenta sobre a atual política no Brasil

Publicado em: 23/03/2019 11:00 | Atualizado em: 23/03/2019 11:36


"A crise é sistêmica. Pega o planeta todo", afirma Boff. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP

 
Aos 80 anos, completados no dia 14 de dezembro, o teólogo e escritor Leonardo Boff mantém o estilo crítico ao falar de política e temas que considera importantes para beneficiar os mais vulneráveis na sociedade. Boff é um expoente da teologia da Libertação e defensor do socialismo. Ultimamente,as palavras mais ácidas dele estão sendo usadas para demonstrar indignação com o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Na última terça-feira,ele esteve no Recife para proferir palestra na Universidade Internacional da Paz (Unipaz Pernambuco) sobre esperança e sua importância para superar a crise que atinge o Brasil eo mundo. Antes de seguir para o evento, ele concedeu entrevista ao Diario e falou de assuntos polêmicos, a exemplo da Operação Lava-Jato e da prisão do ex-presidente Lula (PT), de quem é amigo pessoal. Também defendeu a agricultura familiar em detrimento ao agronegócio e criticou a aproximação do Brasil com os Estados Unidos. Mas foi quando abordou o tema da violência, mais precisamente a proposta de flexibilização do porte e uso de arma no país, que Boff foi mais duro com o Bolsonaro. O teólogo também rechaçou a postura assumida por Bolsonaro em relação ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Veja abaixo os tópicos da entrevista.

GOVERNO BOLSONARO Estou muito envergonhado desse governo. Nunca houve tanta ignorância, tanta mentira oficial pelas mídias sociais com o está havendo agora. O próprio presidente se dá ao desplante de mentir, fazer fake news, sem compostura nenhuma. Ele ainda não descobriu que é presidente. Ainda está em campanha. Me envergonha profundamente pelas asneiras que diz, pelo vídeo pornográfico que colocou (no Twitter), que deve escandalizar todas as crianças. Isso é até um crime. E (o presidente) agora vai para os Estados Unidos fazer um rito de vassalagem. É o vassalo que se inclina diante do poderoso e entrega tudo. O pré- -sal, a base de Alcântara. O ministro Guedes (da Economia, Paulo Guedes) leiloou o Brasil e ainda disse aos grandes empresários: venham ao Brasil. Tudo que vocês quiserem nós vamos vender. Isso é ofender a soberania nacional. Nunca chegamos a uma degradação dessa ordem. Devemos protestar e não aceitar, porque isso é indigno.

FLEXIBILIZAÇÃODOPOR- TE E USO DE ARMA É um crime. Quem promove a venda de armas se faz cúmplice. O que fez a Nova Zelândia agora (por conta do ataque em uma mesquita que deixou mais 40 mortos semana passada)? O governo (da Nova Zelândia) proibiu a venda de armas e aqui se suscita e promove a venda de arma. Cada um pode ter quatro armas. Devemos fundamentalmente nunca usar de violência nem usar os meios da violência, que são letais e matam, que são armas. Acho que o Parlamento, que tem o mínimo de amor pelo brasileiro, crianças, jovens, e pela preservação da vida, não vai entregar na mão das pessoas um veneno, uma arma que pode matar os outros.

LAVA-JATO Acho importante se combater a corrupção porque ela ficou endêmica. Tudo se fazia por corrupção. Agora, eles se meteram tanto na corrupção que se corromperam. Tomaram tanto dessa cachaça que ficaram bêbados e gostaram dessa cachaça. Iam receber R$ 2,6 bilhões dos Estados Unidos, dinheiro nosso que foi desviado, que ia ser devolvido para os nossos cofres, e eles iam criar um grande fundo seguramente para eleger com o presidente, o Moro, que é um juiz fajuto, um juiz injusto que condenou Lula por nenhum crime concreto. Ele (Moro) condenou por um ato de ofício indeterminado. Com base nisso, eu posso prender você. Lula é um preso político e ele (Moro) o mantém lá como um preso político contra a pressão mundial, contra a melhor jurisprudência. Acho que a Lava- Jato se deteriorou e está sendo processada pelo excesso de crimes contra a Justiça. Devemos seguir adiante com o combate à corrupção, mas não com essas pessoas que ficaram arrogantes demais e quiseram fundar uma república, a República de Curitiba. Queremos o Brasil, não uma república paralela.

ESTADOSUNIDOS/BRASIL/ VENEZUELA O presidente foi lá para falar mal do Brasil. Dizer que o Brasil é um lixo. Um presidente que faz isso deveria se envergonhar e receber o impeachment logo. Não ama seu país. Não quer governar. Ele quer que o Brasil fique um estado agregado dos Estados Unidos. Foi para lá para prestar vassalagem diante do grande patrão. E ele que não se meta em uma guerra contra a Venezuela. Oficiais aposentados, que têm consciência e sabem, dizem que o nosso exército não está preparado. O exército venezuelano é muito bem preparado. Tem armas mais modernas que foram cedidas pela Rússia e a China. Tem um tipo de avião que pode chegar até Brasília bombardear o Planalto e voltar. O Brasil pode perder muito. Queremos nossos soldados vivos. Nossas mães não podem deixar seus filhos irem para uma guerra que sabem que vai ser perdida. Não queremos isso. Agora, ele (Bolsonaro), para fazer a vontade de um maluco, que é o Trump, e é tão maluco que pode até fazer uma guerra nuclear. E guerra nuclear hoje significa a extinção da espécie humana. Não podemos deixar. Graças a Deus que os militares estão atentos. O vice-presidente Mourão disse que não queremos essa guerra. Ele sabe o potencial que os outros têm, nós não temos. Os Estados Unidos vão solicitar que o Brasil entre (na guerra). Os Estados Unidos são tão vergonhosos que não fazem guerra. Contratam forças colombianas e outras treinadas em guerrilhas para fazer guerra e eles não vão porque não querem nem enterrar seus filhos. Enterram de madrugada para a família nem ver. O Brasil não pode entrar nessa aventura estúpida. Se entrar é para perder e contra a vontade dos brasileiros. O povo brasileiro não quer que seus filhos morram em uma guerra que não tem nada a ver com a gente. Temos que cuidar da nossa democracia e não da democracia dos outros.

PAPA FRANCISCO Existem hoje no mundo só duas grandes lideranças morais que são o Dalai Lama e o Papa Francisco. Um papa corajoso, que une duas coisas difíceis: ternura com todas as pessoas, com os pobres, com os humildes e ao mesmo tempo dureza contra os pedófilos, com aqueles que fazem o abuso contra crianças. Na última reunião, no final de fevereiro, tomou duas medidas rígidas: pedofilia zero e quem cometer pedofilia tem que ser processado, condenado e julgado na prisão. E aí foram padres, bispos e dois cardeais, sendo um reduzido a leigo e outro metido na cadeia na Austrália. É um homem decidido. Pedofilia não é um pecado que você confessa e perdoa. Não. É um crime e crime tem que ser julgado especialmente contra crianças inocentes que têm respeito ao padre que abusa desse respeito para praticar um crime. Uma maldade. Esse papa é muito consciente disso e ele está fazendo uma grande obra e, ao mesmo tempo, renovou a igreja, que passou a ser mais simples. Nada de muita doutrina. O centro é Jesus. O encontro com as pessoas, a compreensão, a misericórdia que ele tanto acentua e fazer com que haja paz no mundo. Eu acredito na sua grandiosa encíclica, cuidar da causa comum. Os sábios dessa área dizem que com essa discussão da encíclica, o Papa Francisco se coloca na ponta do discurso ecológico mundial.

CRISE A crise é sistêmica. Pega tudo. Pega o planeta inteiro. Pega os governos. A Justiça não funciona direito. As aposentadorias estão degradadas. A própria Justiça, muitas vezes, é vendida ou partidária. A escola está sendo colocada de lado. Preferem gente ignorante para poder ser manipulada e ganhar a eleição. Se não decidimos melhorar, não vamos melhorar. Temos que dar um voto de confiança nas possibilidades que estão diante de nós. Por exemplo, apoiar muito a agricultura familiar e orgânica. Elas são responsáveis por 60% de tudo que comemos. Não é o agronegócio. O agronegócio é para exportar para China e Europa. Não interessa ao povo brasileiro. Apoiaruma política regional, aproveitando o que tem de melhor em cada região, como a natureza, as tradições culturais e fazer isso com inteligência de seu povo. Como esse conjunto de valores podemos criar um bem-estar razoável para Pernambuco, para Recife. Isso se chama bioregionalismo. Temos que acentuar muito cada região. Não só o Brasil, porque as regiões são diferentes. Uma coisa são os pampas gaúchos, outra coisa é a Amazônia, o semiárido. Cada lugar tem um jeito diferente de plantar, colher e comer. Vamos valorizar as pequenas coisas. Fazer as pequenas revoluções e essas vão se somando até dá a grande mudança. É o que podemos fazer.

DIREITOSTRABALHISTAS Muitos estão sofrendo, especialmente os mais vulneráveis porque perderam direitos trabalhistas. Os idosos, os camponeses que vão perdendo os direitos nas aposentadorias, e quem se aposenta começa com R$ 400 e, quando chegar aos 70 anos, aí ganha o salário completo. Nunca houve isso na nossa história. Pelo menos um salário mínimo. A maioria morre com 65 anos, 63 anos. Nunca vai poder se aposentar. Isso não pode passar (no Congresso Nacional). Tem que ser rejeitado no Parlamento porque é uma indignidade. É uma ofensa ao povo brasileiro.

DESMATAMENTO Temos que mudar o jeito de ver a terra. Não como um baú de recursos, que vai tirando, tirando, mas a terra como um superorganismo, como a mãe terra. A ONU definiu isso. A terra é uma mãe. E nós tratamos as nossas mães com amor, com cuidado e também devemos tratar a terra com cuidado e amor. Cuidar da terra significa cuidar das águas, não poluí-las. Cuidar da mata ciliar junto aos rios para que eles se mantenham vivos. Não desflorestar. Estão desflorestando tremendamente a Amazônia. Só do ano passado para cá, cresceu 54% o desmatamento. A Amazônia regula os climas do mundo inteiro. E se desmatamos a Amazônia, a humanidade inteira vai sofrer. Não devemos derrubar as árvores. Devemos cuidar do ar. Não poluir nada. Não queimar as coisas para não aumentar o aquecimento global e as relações humanas sejam entre humanos porque hoje é uma sociedade cruel e sem piedade. Nosso querido Betinho (Herbert de Souza, sociólogo e ativista dos direitos humanos) sempre dizia que a grande crise não é econômica, não é política, não é de valores. A grande crise é a falta de sensibilidade que o ser humano não tem face a outro ser humano. Temos que recuperar essa humanidade. Quando a gente se coloca no lugar do outro, criamos um lugar para todo mundo na terra.
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