Política
Morte e vida
A simbologia por trás da ocupação Icauã Rodrigues
Invasão sem teto recebeu o nome de Icauã Rodrigues, um garoto de apenas 10 anos, morto pelo padrasto a facadas. A mãe do menino também faleceu com punhaladas
Publicado: 21/12/2018 às 21:42

Existem 25 crianças na ocupação Icauã e cerca de 10 idosos. Foto: Aline Moura/DP/

A ocupação onde vive seu Antônio Severino, ou Rocky, como prefere ser chamado, recebeu o nome de Icauã Rodrigues, um garoto de apenas 10 anos, morto pelo padrasto. O título é uma homenagem ao filho de André Luiz Rodrigues de Santana, 47 anos, um dos coordenadores do Movimento Urbano dos Trabalhadores Sem Teto (Must). O menino levou 10 facadas do padastro, homem que deveria ser um dos responsáveis por sua criação, sua saúde, sua dignidade, sua vida. Marcos Aurélio foi condenado há 54 anos de prisão, mas o menino faleceu em 17 de fevereiro de 2014, ao tentar proteger a mãe, a professora Sandra Lúcia Fernandes, 48 anos, que também não resistiu às agressões de faca – sete ao todo. Sandra foi vítima de feminicídio, o marido a matou num acesso de ciúmes depois de uma prévia carnavaleca, uma cena que se repete quando homens se sentem proprietários das mulheres e de qualquer vida que as cerquem.
Os acampamentos urbanos normalmente recebem um nome que tenha uma história e seja uma espécie de denúncia política, algo para chocar as pessoas, como o de Marielle Franco, no Centro do Recife. Mas a ocupação Icauã já gerou duas vidas lá dentro, segundo André Luiz, que conta sobre o nascimento das crianças com alegria e sorrisos, depois de chorar anos por seu filho perdido. “A as ocupações também têm belezas”, diz ele, orgulhoso. Existem 25 crianças sem teto no acampamento, algumas em situação de extrema pobreza, além de cerca de 10 idosos. Os demais, cerca de 115, são jovens ou adultos.
“Resolvemos homenagear uma criança no acampamento”, disse André, que fica abalado ao falar novamente sobre a morte do filho. “As crianças e mulheres são os que mais sofrem nas ocupações”, disse ele.
André Luiz frisa que já foi na Superintendência de Patrimônio da União para saber sobre o terreno onde 45 famílias moram atualmente, em casas de madeira e lona. Ele disse que ouviu a promessa de que o grupo sairia da Caxangá para outro lugar, ainda não disponibilizado ou confirmado. O coordenador do Icauã Rodrigues diz temer pelo futuro de todos após a posse de Bolsonaro, mas destaca o seguinte: “Se Bolsonaro é humano e diz que acredita em Deus, que possa pensar nessas crianças, nesses idosos, nessas famílias sem teto. Tudo isso só faz com que a doença da sociedade só aumente. As pessoas precisam de dignidade, não serem tratadas como caso de polícia, não é assim que se faz uma pátria, uma nação”. Ele acrescenta que, no espaço, há pessoas que sobrevivem com menos de R$ 170 por mês.
O Must espera ter apoio do poder público para dar cursos de capacitação aos que vivem lá dentro para que se resgatem os sonhos. Ele ressalta que a igualdade se consegue dando mais atenção a quem mais precisa. “O estado existe, mas insiste em colocar a gente no modo invisível. Costumo dizer que o estado é aquela pessoa que vai à praia e fica tomando água de côco, fica lendo o jornal. achando que está tudo bem, mas a gente tem que provocar o estado”. Ele complementa: “Acho que o Natal pode vir para nós em forma de muita solidariedade, muito apoio, que possa trazer para a gente uma reflexão sobre a questão dos movimentos de um modo geral, das pessoas que estão lutando por dignidade. Que as pessoas nos olhem com os olhos que têm que ser olhados”, diz, estendendo as duas mãos, de palmas abertas, à reportagem. “Feliz daquele que tem essa harmonia e essa solidariedade posta para todos”. (A.M)
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