Opinião

Luzilá Gonçalves Ferreira: O Recife de Mario Sette e o nosso

Luzilá Gonçalves Ferreira é doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 18/01/2018 07:11

O livro Arruar, de Mario Sette, completa este ano, 70 anos de publicação, editado que foi, pela Casa do Estudante do Brasil, em 1948. Na semana passada, entretanto, após a brilhante conferência de Lourival Holanda sobre esta “história pitoresca do Recife antigo” uma leitora de Sette nos mostrou numa edição anterior a essa, de 1946. De qualquer modo, neste ano duas comemorações se farão, em torno do autor e desse livro que nenhum recifense pode desconhecer: o Festival Recifense de Literatura, em novembro, e a publicação de Arruar, pela Cepe, nas próximas semanas. O livro é um passeio por um Recife do tempo em que se podia transitar tranquilamente pelo Centro da cidade ou de seus arrabaldes, onde se ia passar férias, aproveitando banhos de rio, festas religiosas ou profanas, no Monteiro, no Poço da Panela, na Várzea, descanso das famílias que se afastavam por um tempo do rebuliço da cidade. Mario Sette, autor de romances que reconstituem igualmente um Recife outro, contou, de perto, essa vida provinciana. Em Os Azevedos do Poço, Seu Candinho da Farmácia; em Senhora de Engenho retratou os últimos tempos da vida nos engenhos, como em A Filha de Dona Sinhá, a existência em pequenas cidades pernambucanas. Um senhor escritor, atento à psicologia dos personagens descritos em seus gestos, linguagem, relações com familiares, com a comunidade. Um patrimônio humano, reconstituído em diversas fases de suas vidas, na superficie delimitada pela paisagem urbana ou campestre: modos de sentir, falar, abordar a vida, em descrições que deliciam o leitor e enriquecem sua subjetividade. Reconstituindo o Recife, Mario Sette retoma a tradição de falar o amor pela cidade, que já no século XVI levava Bento Teixeira, na Prosopopeia a celebrar sua magnífica posição geográfica, a beleza de seu porto e os arrecifes que a protegiam. Louvor retomado nos Diálogos das Grandezas do Brasil, por Ambrosio Fernandes Brandão, lembrando a proteção que o Recife proporcionava a Olinda, por seus arrecifes e seus fortes. A partir do século XIX, a cidade é vista, por aqueles que veem do mar, como Vauthier, como um amontoado de praias, torres de igrejas e altos edifícios brancos e “casas construídas em desordem”. Mario Sette nos entrega um Recife um tanto nostálgico, suscitando em nós não apenas a saudade da vida que foi, que poderia ter sido, mas aquela que é preciso refazer: em que o bucolismo perdido possa conviver com relações humanas mais solidárias, em que a paisagem não seja agredida, descaracterizada em parte como o foi em várias ocasiões, lembremos as demolições do Arcos ao pé das pontes, de várias igrejas ( leiam o pungente Jesus na Avenida, de Mauro Mota), de inúmeros casarões para as obras do porto, lamentadas por Joaquim Cardozo, que viu o Recife crucificado na construção das grandes avenidas. E que o respeito pelo antigo lembre: somos responsáveis por esse legado dos antepassados, que por muitos séculos nos ofereceu uma melhor qualidade de vida.
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