Diario Editorial: Sob a desconfiança da população

Publicado em: 18/11/2017 08:15 Atualizado em: 18/11/2017 08:17

Em 11 de outubro passado o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o afastamento de parlamentares só poderia acontecer havendo o aval do Congresso. Independentemente de decisão do Judiciário, a palavra final caberia ao Legislativo. A decisão no STF foi por votação apertada, o que dá ideia de quão polêmica é a questão: a vitória deu-se por 6 x 5, com o último e decisivo voto sendo dado pela presidente do Supremo, Carmen Lúcia, após um empate em 5x5.  

A resolução permitiu que posteriormente  o senador Aécio Neves (PSDB/MG) reassumisse o mandato - ele havia sido afastado de suas atividades parlamentares por liminar do ministro Edson Fachin. Ontem, um mês e uma semana depois, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou, por 39 votos a favor e 19 contra, a libertação de três deputados estaduais, que haviam sido detidos preventivamente por ordem do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Eles são acusados de associação criminosa, lavagem de dinheiro e favorecimento a empresas mediante propinas. Entre os presos estava o presidente da Assembleia, Jorge Picciani. Ou seja: como tinham a palavra final sobre o caso, os parlamentares do Rio derrubaram o decreto de prisão dos colegas. A decisão foi tomada com base na resolução do STF, do mês passado.

Trata-se de uma questão que com certeza terá outros “efeitos cascata”, motivo para discussão em todo o país. Quem é favorável à decisão de que o afastamento de parlamentares precisa ter o aval do Legislativo argumenta que isso respeita a tese da “imunidade parlamentar” e da “independência entre os poderes”. Quem é contra, vê o perigo de um enorme manto de impunidade ser estendido sobre acusados detentores de mandato, uma vez que a palavra final sobre o destino deles caberia aos próprios colegas e, sendo assim, a tendência é que sejam sempre beneficiados.

“Ao Poder Legislativo, a Constituição outorgou o poder de relaxar a prisão em flagrante, forte no juízo político”, disse o ministro Edson Fachin, relator da ação votada no STF em 11 de outubro. “Estender essa competência para permitir a revisão, por parte do Poder Legislativo, das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares penais significa ampliar a imunidade para além dos limites da própria normatividade enredada pela Constituição. É uma ofensa ao postulado republicano e é uma ofensa à independência do Poder Judiciário”.
Ontem, durante a votação na Assembleia, houve protesto em frente ao prédio, seguido de tumulto entre policiais e manifestantes. Se a questão dividiu o próprio STF, é natural que provoque rachaduras também no seio da sociedade. Em um país onde nos últimos anos não há consenso praticamente sobre nada, a ideia de que uma determinada classe pode proteger a si mesma é um poderoso fermento para aumentar a insatisfação e desconfiança da população.


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