Opinião Clóvis Cavalcanti: Desperdício contínuo e crescimento sem propósito Clóvis Cavalcanti é presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE)

Publicado em: 21/08/2017 07:21 Atualizado em:

É estarrecedora, no Brasil, atualmente, a dimensão dos recursos públicos que são desperdiçados. Uma ferrovia como a Transnordestina, por exemplo, arrasta-se há 15 anos e só tem metade dos seus 1.500 km mais ou menos implantados, sem certas obras complementares básicas que precisam ser feitas. Em apenas 10 anos, e partindo do zero, a China criou uma rede de trens de altíssima velocidade, modernos, em linhas de via dupla (a nossa Transnordestina é de via única), com toda a infra estrutura adicional concluída, rede essa que é maior do que toda a correspondente rede (antiga) da Europa ocidental. Na China, vai-se hoje de Pequim a Shangai, uma distância de 1.318 km, em cinco horas. Em 2007, isso não era possível. A lição que se aprende daí é que os chineses usam bem seu dinheiro. Os brasileiros o carbonizam.

Veja-se o caso da irresponsável Copa do Mundo de 2014, assumida em espasmo de grandiloquência pelos brasileiros. Estádios monumentais caríssimos, superfaturados e, vários, de baixa serventia. A Arena Pernambuco, para citar uma pedra próxima no nosso sapato, em momento de lucidez dos governantes, jamais deveria ter sido construída. Em seu lugar, uma remodelação do Estádio do Arruda, com urbanização da área ao redor, teria sido o caminho mais sensato. A mesma coisa se pode dizer dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Estive na Paralimpíada. Gostei muito. Belo momento. Só que a sensação era de satisfação naquele instante apenas. Não dava a ideia de algo que fosse perdurar. Hoje, já se percebe que o dinheiro enterrado ali – e mal enterrado, com a corrupção gigantesca que envolveu o processo – é um ônus duradouro. Não há mágica para uso imprevidente, para desperdício de recursos. Alguém pagará por isso – nunca, porém, o causador da desgraça. Certo mesmo é que, como os recursos da atividade econômica não são ilimitados, desvio, malversação ou desperdício deles implicará um rombo para o futuro. Coisas que poderiam ser executadas por tais recursos serão prejudicadas.

O padrão de emprego ruim de recursos é algo que angustia. Muitas das estações do BRT da Região Metropolitana do Recife, que eram para estar concluídas em maio de 2014, continuam ainda em construção. A que fica junto ao Centro de Convenções, em Olinda, parece que não vai acabar nunca. E é assim com obras no país todo, a exemplo da lenta – e muito questionável – Transposição do São Francisco. Quando o básico de Brasília foi construído, começando do nada em meados de 1956, havia dúvidas de que se inauguraria a obra extraordinária em 21 de abril de 1960. A meta, para surpresa de muitos, levada com arrojo pela tenacidade do presidente Juscelino Kubitscheck (1902-1976), foi alcançada. Houve grandes questionamentos a respeito da iniciativa de Juscelino. Carlos Lacerda (1914-1977), líder da oposição, castigava-a diariamente. Mas os recursos foram aplicados com eficiência e nunca se falou de desvio de monta no dinheiro mobilizado. É de admirar, quando se pensa que Brasília representou uma convergência incrível de esforços (e empreiteiras), incluindo a construção de rodovias como a Belém-Brasília, de ferrovia, de aeroporto, de prédios para a administração federal, de edifícios para residência de funcionários, hospitais, escolas, viadutos, abastecimento de água, catedral, além de um lago artificial. A oportunidade para se roubar era magnífica. Juscelino, no entanto, não se transformou num magnata.

É só imaginar o que seria do Brasil, caso o governo do presidente JK tivesse embarcado no delírio de corrupção dos tempos atuais. E caso as obras tivessem sido interrompidas ou retardadas estupidamente, como se dá com a malfadada ferrovia Transnordestina e uma multidão de outros investimentos. Os déficits que o Brasil contempla hoje são estruturais. Não há como fechar as contas públicas. Mágicas para fazer aparecer dinheiro não existem. O cenário que se contempla, assim, para tristeza do observador munido das ferramentas apropriadas da ciência econômica, é de ameaça grave ao bem-estar da população. Como garantir saúde, educação, mobilidade, infra estrutura à nação? Como garantir pagamento de salários e pensões? A situação é de causar pavor e tirar o sono.


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