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OPINIÃO João Ferreira Braga: Tributo à jurista Ada Pellegrini Grinover João Ferreira Braga é mestre em direito pela Universidade de Coimbra e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 20/07/2017 07:41 Atualizado em:

Há alguns anos tive o prazer de coordenar obra coletiva em homenagem à processualista Ada Pellegrini Grinover, jurista ítalo-brasileira de virtudes nacional e internacionalmente reconhecidas e que insere o direito brasileiro em campo de notável respeitabilidade no cenário jurídico mundial.

Filha de ministro de Estado da Itália, Ada Pellegrini trazia consigo toda a culturalidade humana que a leitura – genuinamente habitual – de Alexandre Dumas, Montesquieu, Rousseau, Immanuel Kant, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Machado de Assis e Eça de Queiroz pode proporcionar, assim também as peças teatrais de Augusto Boal e as questões antropológicas próprias das obras de Darcy Ribeiro. Ainda adolescente, radica-se com a família no Brasil e, pouco tempo após, aprovada no vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, celebra o início de uma das carreiras jurídicas mais brilhantes e amplas vistas em nossa história.

Aluna de professores de magnitude, a exemplo de Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, a formação de Ada Pellegrini lastreou-se nas lições de imortais, tais como Pescatore, Menestrina, Mortara, Chiovenda, Carnelutti, Mutter, Von Bülow e Liebman, as quais, conjugadas à intelectualidade pessoal, proporcionaram ao Brasil a processualista que, em eventos internacionais ligados ao direito, sempre estava entre os protagonistas. Tornaram-se naturais em Ada Pellegrini percepção e análise das mais diversas linhas científicas do Direito do Estado e do Direito Processual, as quais, posteriormente, viriam a se tornar libertadora literatura, pois a mão de Ada, como diria Carlos Drummond de Andrade, “estava sempre compondo”. À cultura jurídica adquirida em sua formação associaram-se experiências políticas lidas e testemunhadas, a exemplo do período ditatorial, altura em que não renunciou aos preceitos próprios do ensino analítico/crítico.

Concluída a graduação, Ada Pellegrini iniciou importante trajetória acadêmica, que veio a adquirir foros de nacionalidade. Submeteu-se a concurso público para provimento do cargo de professor titular da Universidade de São Paulo, onde exerceu funções de preponderância acadêmica, tornando-se reconhecida como “A Professora da USP”, além de alçar a condição de procuradora do Estado de São Paulo. Os passos acadêmicos e pragmáticos dados pela jurista passaram a se fundir com expressiva e determinada carreira literária e justificaram, com todos os louvores, o recebimento do título de Doutora Honoris Causa pela mundialmente prestigiosa Universidade de Milão. Suas obras denotam, de forma exuberante, refletidas preocupações a respeito dos conflitos sociológicos e à respectiva cura judicial coletiva, assim como das questões associadas ao Direito Processual clássico e fundamentais relações entre processo e cidadania. Exemplos dessa produção científica em homenagem à plenitude de racionalidade e à formação de uma memória para o futuro podem ser identificados em mais de cem trabalhos publicados.

Mais recentemente, estudos de Ada Pellegrini reafirmaram sua genialidade originária e propuseram valiosos debates a respeito do processo coletivo e do controle jurisdicional de políticas públicas, os quais nos conclamam a visões libertárias e efetivas sobre a relação entre sociedade, processo e poder. Suas lições apontam para a necessidade de um novo processo, que atenda às peculiaridades das demandas sociologicamente verificadas, e de uma relação dialogal entre Poder Judiciário e Administração – em que cada um desses Poderes atue nos limites das alçadas constitucionalmente estabelecidas –, na qual se preservem os primados da separação dos Poderes e da igualdade de tratamento ao cidadão brasileiro.

Com o seu falecimento, ocorrido em 13 de julho passado, o direito – em sua visão mais humana – perde um de seus nomes mais importantes. É uma honra prestar-lhe ilimitadas homenagens e dizer-lhe que, por tudo isso, ainda é deveras cedo para a partida.
 


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