Opinião Allana Uchoa de Carvalho: Meu querido Edwaldo, meu padre amigo Allana Uchoa de Carvalho é promotora de Justiça do MPPE e paroquiana de Casa Forte

Publicado em: 26/07/2017 07:36 Atualizado em:

Tinha-o imortal. Não era. Tivesse eu que resumi-lo numa só palavra seria SABEDORIA. Um líder nato, com virtudes a ofuscar os defeitos. Descentralizador, agregador, semeador, perfeito orador, compreensivo, dono de excelente escuta (“aceito as críticas com muita tranquilidade, mas tragam-me as alternativas viáveis”), cheio de autoridade sem traço de autoritarismo. Homem sincero, autêntico, inteligente, culto, perspicaz, com senso humor ímpar. Durante décadas administrou com maestria e leveza uma paroquia bem mais difícil que a realidade aparente, unindo ricos e pobres em torno da mesma mesa e da mesma causa (“na minha paróquia não há comunidade desassistida”). 

Quase sempre a vara para pescar; eventualmente o peixe. Lutou pela dignidade das pessoas, pela paróquia, pelo crescimento ordenado do bairro, pela preservação da praça. Ativista social e político, produziu barulho quando necessário. Incomodou. Incomodou muito, como todo bom cristão deve fazê-lo. Um (re)conciliador nato. Portas sempre abertas a qualquer hora do dia ou da noite. Sempre havia um bom conselho, palavras e colo, se necessário. Seu “não” tinha gosto de sim, e essa era a melhor parte. Para as situações mais complexas, a resposta: “ame, filha, simplesmente ame...”. 

Nos momentos de dúvida, a pergunta: “filha, isto faz bem ao seu coração?”. Suas gargalhadas podiam ser ouvidas à distância. Glutão, não saía da frente da mesa até se fartar. Nas reuniões em sua casa, debates, planejamentos. Preocupado em alimentar-nos, abria as portas de sua despensa e punha na mesa o que encontrava. Partilha. Ele fazia questão de acompanhar cada um até o portão. Preparou paroquianos para caminharem sozinhos, cientes de que a última palavra era sua. Uma paróquia viva! 

Uma obra social linda, enorme, atendendo mais de trezentas crianças com qualidade. Padre Edwaldo vivia a realidade dos paroquianos, ou, como ele costumava brincar, em velha e repetida piada, era “um vigário amigo dos seus vigaristas”. Não admitia ser endeusado (“quem morreu por vocês na cruz foi Jesus Cristo, não eu”). Aplicou as diretrizes do Concílio Vaticano II, construindo uma paróquia inclusiva. Acolhia a todos sem distinção (“Jesus Cristo não excluiu; não serei eu a fazê-lo”). Paroquiana sua, os atos do papa Francisco a mim nunca surpreenderam. Padre Edwaldo os antecipou anos. O evangelho aplicado concretamente com seriedade e leveza. Afirmava que não iria se aposentar (“tenho a eternidade toda para descansar e nenhuma pressa de chegar lá”). Confiou-me algumas missões cristãs que tentei desempenhar com o amor maior. No final, eram presentes que só me alimentavam a alma. Passar em frente à sua casa e saber que estava lá era a segurança. Vê-lo fazendo o trajeto entre sua residência e a igreja, pela praça, caminhando devagar, é imagem inesquecível na memória. Nas despedidas, um “filha, eu lhe quero muito bem”. Ele em pé esperando que eu seguisse. Uma relação de confiança e afeto mútuos. E um vazio tamanho do mundo agora... 

Padre Edwaldo, a eternidade chegou-lhe sem pressa, como o senhor queria. Desfrute-a por merecimento. Com o senhor vai um pouco de mim. Comigo ficará muito do senhor. É chegada a hora, meu querido, meu velho, e, acima de tudo, meu padre amigo.


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