Diario Editorial: O racismo mostra a cara

Publicado em: 13/06/2017 07:31 Atualizado em:

Números, às vezes, valem mais que mil palavras. É o que se deduz da cifra divulgada pelo Ministério Público do Distrito Federal. Na capital da República, denúncias de racismo cresceram 1.190% nos últimos seis anos. A escandalosa cifra contribui para enterrar o mito largamente divulgado de que o Brasil é uma democracia racial. Não é. E tampouco se trata de caso particular, restrito à cidade que sedia os Três Poderes.

Jogar luz sobre a realidade constitui passo importante para enfrentá-la. Nosso “racismo envergonhado”, como escreveu Florestan Fernandes, está impregnado na cultura do país. Não é outra a razão por que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, se referiu ao colega aposentado Joaquim Barbosa de “negro de primeira linha”. Diante das reações, desculpou-se. Claro que ele não quis ofender Barbosa, mas chamou a atenção para o poder das palavras de reforçar preconceitos.

A língua é o mais importante e fácil instrumento de comunicação. Com ela transmitem-se conhecimentos, fazem-se planos, sonham-se mudanças, constroem-se e destroem-se mundos. Repetir, ano após ano, geração após geração, vocábulos e expressões com carga negativa contra este ou aquele grupo étnico naturaliza o fato de tal forma que soa natural. É o caso de denegrir e judiar. Um atinge os negros. O outro, os judeus. Mas os falantes os usam sem se dar conta de que ajudam a distanciar a luz no fim do túnel.

Contar apenas com as leis para mudar a cultura é acreditar em Papai Noel. Elas são importantes, mas não suficientes. Conhecidas, inibem aventuras e acabam com a sensação de impunidade. Impõe-se ir além — cortar o mal pela raiz. Instituições que lidam com crianças precisam abraçar a causa com determinação e continuidade. A palavra é educar. Não se trata, convém lembrar, de projeto com tal ou qual coloração política. Trata-se de projeto de Estado.

Escolas sobressaem no processo. Comprometer os professores na luta constitui item essencial para o sucesso da caminhada. Não só. A seleção de livros didáticos ou paradidáticos deve ser cuidadosa, incentivadora de valores gratos ao século 21. Entre eles, a tolerância e o convívio com o diferente. Igrejas, clubes sociais e meios de comunicação exercem papel indiscutível no processo.

É importante que os agredidos registrem as ocorrências, e a ação tenha consequências. A percentagem de crescimento do número de denúncias ora apresentada pelo Ministério Público revela que as manifestações de racismo não são aceitas com a naturalidade de antes. Mas ainda é pouco. Trazer a vergonha a público é o primeiro passo. Outros precisam ser dados para inibição da valentia covarde. Um deles: o aperfeiçoamento das investigações. Hoje, 60% dos inquéritos policiais encaminhados ao MP são arquivados por insuficiência de provas.


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