Opinião Raimundo Carrero: Novas lições de John Gardner para crentes e incrédulos Raimundo Carrero é escritor e jornalista

Publicado em: 22/05/2017 07:23 Atualizado em:

Volto a falar em assunto que me incomoda muito, muitíssimo, e, nais  do que incomoda, atormenta: trata-se das técnica, ou seja, do artesanato na prosa ficcional. Até porque é a técnica, ou o artesanato, que distingue um artista do outro. A qualidade das palavras, das cenas, dos cenários, a construção do personagem mostram a elaboração artística e causam emoção no leitor. Não a emoção nervosa, que é comum em qualquer pessoa, mas a emoção estética., que assegura a perenidade da obra. E, é claro, a beleza de sua construção.

Por isso mesmo, volto hoje às lições de John Gardner, o mestre das oficinas literárias nos Estados Unidos, autor desta Bíblia da criação literária – A arte da ficção -. Eis o que diz a respeito da prosa literária e da estética: “Tanto para o escritor quanto para o leitor atento, tudo que acontece numa história bem construída - dos fatos mais relevantes à mais insignificante variação de frase – é matéria de interesse estético.  Uma vez que o escritor escolheu cada elemento com cuidado e revisou repetidamente o que fez, todo elemento que encontramos pelo caminho merece ser saboreado. Cada personagem é suficientemente expressivo e interessante para seu papel;  cada cena tem a duração certa e não é  nem mais nem menos extensa do que deverá ser. Toda metáfora foi burilada. Nenhum símbolo aparece gratuitamente fora do contexto em que está inserido, e, todavia, nenhum elemento aparece, nunhuma ressonância fica sem eco ou é abafada pelo literal. Nenhuma interpretação adicional torna-se inexequível. E embora nos apliquemos em ler e reler a obra, jamais sentimos ter conseguido esgotá-las.

São lições assim que procuro repetir e debater na minha oficina de Criação Literária, que aplico às segundas e quintas–feiras no Centro Cultural Raimundo Carrero.  Dessa forma estudamos a formação das frases – não se pode pensar apenas em mudança de palavra , mas na mudança de palavras que justifiquem as cenas, os cenários e, naturalmente, os personagem, sem perder o bom gosto. Até porque literatura é feita de palavras, mas palavras que justifiquem o tom e o ritmo da narrativa, em conjunto com personagens, cenas, cenários e diálogos. É preciso que a palavra seja expressiva, não só para a frase, mas para o conjunto de elementos narrativos;

 Gardner acrescenta: “Naturalmente uma sutileza desse tipo – uma história que contém, tamanho tesouro de prazeres – só se consegue a duras penas. Para trabalhar tão bem não se podre agir com açodamento. Ou de maneira precipitada ou atabalhoada como quando se escreve um livro qualquer.”
Quem primeiro respeita a obra, naturalmente é o autor. Se ele é relaxado ou descuidado; se escreve porque imagina que tem talento, ou porque se diz humilde diante da literatura, então o caminho não é este. Escreva sempre como quem não tem mais o que fazer no mundo.
 


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