Opinião Manoel Bione: O morador de TB mora ao lado Manoel Bione é psiquiatra, psicoterapeuta e jornalista

Publicado em: 25/05/2017 07:58 Atualizado em:

Quem me conhece sabe que, desde o início de minha formação médica, optei por ser gauche em relação à psiquiatria. Comecei com esse, digamos, esquerdismo psiquiátrico a partir da leitura dos, então, autodenominados anti-psiquiatras, entre eles, Laing, Cooper, Basaglia e Szass. É graças a eles que o mundo, e em particular o Brasil, se livrou dos famigerados manicômios.

Paralelamente à minha formação psiquiátrica acadêmica, busquei outras formas de tratamento psicoterápico, como Gestalt, Bioenergética, Análise Transacional, Biodança, etc. E uma das tarefas que assumi em minha vida profissional foi o “desmame” de pacientes intoxicados e viciados pelos psicotrópicos prescritos indiscriminadamente, para júbilo da poderosa indústria farmacêutica mundial.

TRANSTORNO BIPOLAR - O Transtorno Bipolar (TB) é mais frequente do que se pensa, e de difícil diagnóstico. Trata-se de uma síndrome de caráter afetivo, classificada pelo DSM-IV-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais americano), associado à Classificação Internacional de Doenças (CID), com os diagnósticos que vão do F30X ao F39.
As características clínicas principais do TB são sintomas de transtornos do humor, intercalando episódios de depressão e de mania. Alguns pacientes têm episódios mistos, com manifestações tanto maníacas como depressivas. Outros parecem experimentar episódios de depressão rápidos – de minutos a poucas horas – durante a fase maníaca.

Durante os episódios depressivos, há perda de interesse e de prazer. Os pacientes dizem que se sentem tristes, “na fossa” e desvalorizados. Trata-se de uma tristeza sem motivo aparente, como é normal em situações de luto ou em outro acontecimento concreto de perda. Muitas vezes se queixam de ser incapazes de chorar. Cerca de dois terços pensam em suicídio e cerca de 10% a 15% o cometem.

Já os episódios maníacos se caracterizam por um estado de humor elevado, expansivo ou irritável. Trata-se de um humor eufórico, às vezes contagiante, e pode até causar uma negação da doença por parte de um profissional inexperiente. Esse humor instável aparece quando o paciente tem seus planos ambiciosos contrariados. Às vezes ele tem surto de consumismo, gastando mais do que possui e assumindo dívidas impagáveis, para desespero dos familiares. Eu próprio tive uma paciente que, num mesmo dia, comprou três televisores num dos shoppings da cidade.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO - O tratamento do TB deve ser misto e voltado inicialmente para a segurança e bem-estar do paciente. A terapia medicamentosa geralmente é à base de lítio, enquanto a psicoterapia depende da linha e da formação do profissional de saúde.

Já o prognóstico varia com a frequência dos episódios maníacos e depressivos, com a idade em que ocorreu o primeiro episódio. A curta duração dos episódios, a idade avançada de início e poucos pensamentos suicidas contribuem para um bom prognóstico. Um terço de todos os pacientes com TB desenvolve sintomas crônicos e evidências de certo declínio social.

O portador de TB pode ser seu vizinho, seu irmão ou um dos seus pais. É preciso agir com parcimônia e proteção, consultar mais de um profissional e checar suas opções de diagnóstico e tratamento, senão corre-se o risco de condenar seu próximo a um diagnóstico estigmatizante  e/ou a um tratamento que o leve a uma eterna inércia e à perda da cidadania para o resto da vida.

Um conselhinho final. Assista a dois exemplos de tratamentos psiquiátricos desastrosos que podem ser vistos em dois clássicos do cinema mundial: Os contos proibidos do Marquês de Sade, de Phillip Kaufman, e O estranho no ninho, de Milos Forman.


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