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Estado laico Religião levanta polêmica entre vereadores do Recife e Ministério Público Câmara do Recife debate limites entre liberdade de crença e independência religiosa do Estado, após polêmica recomendação da 18ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, que quer evitar práticas de liturgia na Casa.

Por: Aline Moura - Diario de Pernambuco

Publicado em: 24/04/2017 20:24 Atualizado em: 24/04/2017 20:42

Michele Collins desistiu de apresentar requerimento ao Procurador Geral do Ministério Público. Fotos/Câmara do Recife/Colagem
Michele Collins desistiu de apresentar requerimento ao Procurador Geral do Ministério Público. Fotos/Câmara do Recife/Colagem


A mesa diretora da Câmara dos Vereadores do Recife conseguiu evitar, nesta segunda-feira (24), uma disputa entre entre o Legislativo e o Ministério Público estadual. A vereadora Michele Collins (PP) desistiu - pelo menos por enquanto - de entrar com um requerimento direcionado ao procurador geral de Justiça de Pernambuco para debater questões sobre liberdade de crença em audiência pública. Mas a recomendação dada pelo promotor Eduardo Luiz Silva Cajueiro, da 18ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, manteve o clima acirrado na Casa durante toda a tarde. A medida do MPPE exige que, num prazo de 20 dias, a mesa diretora desautorize a realização de eventos que dizem respeito à prática de liturgias e rituais religiosos, sob pena de responder a medidas judiciais. A iniciativa atinge todas as crenças, mas a bancada evangélica, em especial, acredita que a recomendação passou do tom e mexe com outras liberdades da Constituição.

Michele Collins disse que desistiu de entrar com um requerimento para não entrar em confronto com os outros colegas, que tentaram colocar panos mornos. Ela contou que foi convencida a recuar, neste momento, até a Câmara ser notificada e tomar uma posição através da mesa diretora. Segundo a vereadora, a orientação do promotor foi publicada no dia 20 de abril passado, mas ainda não chegou oficialmente à Casa. Michele Collins lembrou que a medida prejudica não só os evangélicos.

“Recentemente, houve uma homenagem na Câmara ao Livro dos Espíritos. Também já foram realizados terço e missas na Casa. Sempre que os vereadores propõem, há um espaço, fora das sessões plenárias, para crença e fé. Essa é a Casa do povo e acolher a fé faz parte dela”, declarou Collins, acrescentando que o próprio Poder Judiciário realiza manifestações religiosas. Michele já foi denunciada ao MPPE por supostamente ferir o estado laico ao realizar a solenidade “Manhã com Deus” nas dependências da Casa. 

Segundo a vereadora irmã Aimée Carvalho (PSB), a liberdade de expressão garante a qualquer indivíduo o direito de se manifestar. Aimée ressaltou que, além da recomendação da 18ª promotoria, alguns vereadores querem tirar o livro da Bíblia que fica sobre a mesa diretora. Ela explica que o Regimento Interno da Casa, em seu capítulo II, seção I, institui que o libro fique aberto sobre a mesa, à disposição de quem dele precisar.  

O MPPE foi procurado para se posicionar sobre as questões levantadas pelas vereadoras, que questionaram a recomendação de Eduardo Luiz Cajueiro por ser subjetiva. Por meio da assessoria de imprensa, o promotor afirmou que “não vai se posicionar sobre questões hipotéticas”. “Ele vai analisar e atuar em cima do que efetivamente acontecer na Câmara de Vereadores do Recife e chegar ao conhecimento do Ministério Público de Pernambuco”, diz a nota do MPPE.

O vereador Ivan Moraes (PSOL) observou a importância de debater os limites entre liberdade de crença e independência religiosa do Estado. “Vejo com bons olhos que a discussão sobre o Estado laico e a liberdade religiosa tenha chegado a esta Casa. É fundamental que a gente consiga estabelecer até onde vai nossa liberdade individual religiosa e até onde vai o limite que é imposto pela necessidade de se garantir a laicidade do Estado. A partir de um diálogo horizontal, creio que a gente consegue dividir essas questões. Uma coisa são pessoas exercendo sua religiosidade. Outra coisa é quando a própria Casa chama a atividade religiosa”, analisou.

Para Jayme Asfora (PMDB), o pedido do MPPE precisa ser analisado conforme a Constituição. “Eu acho que devemos sempre, em homenagem aos princípios constitucionais, fazer uma interpretação razoável do que prescreve o Ministério Público. Eu não acho razoável a Câmara sediar cultos ou liturgias de quaisquer religiões. Não acho que seja adequado ao Estado laico. Isso é diferente de fazer homenagens ou uma discussão sobre pluralidade.”


A recomendação do promotor é ampla. Veja na íntegra abaixo.

R E C O M E N D A Ç Ã O Nº. 002/2017 - 27ª
EMENTA: RECOMENDA PREVENTIVAMENTE A MESA DIRETORA DA CÂMARA MUNICIPAL DO RECIFE, NA PESSOA DO SEU PRESIDENTE, OU A QUEM VIER SUCEDÊ-LO, QUE SE ABSTENHA DE AUTORIZAR/PERMITIR A REALIZAÇÃO NAQUELA CASA LEGISLATIVA E/OU SEUS ANEXOS, DE REUNIÃO/ENCONTRO OU ASSEMELHADO, EM QUE HAJA A PRÁTICA DE LITURGIAS E RITUAIS PRÓPRIOS DE CULTUAÇÃO RELIGIOSA. O Ministério Público do Estado de Pernambuco, por sua 27ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, com atribuição na Promoção e Defesa do Patrimônio Público, nos termos dos artigos 29, inciso III da Constituição Federal; 27, § único, inciso IV, da Lei nº. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, e; 5º, § único, inciso IV, da Lei Complementar nº. 12, de 27 de dezembro de 1994, com suas posteriores alterações e, demais dispositivos
legais pertinentes à defesa do patrimônio.

CONSIDERANDO ser o Ministério Público instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;

CONSIDERANDO que incumbe ao Ministério Público zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
CONSIDERANDO que a Constituição da República albergou, expressamente, o Princípio Republicano do Estado Laico, em especial, no seu art. 19, inciso I, prevendo apenas
excepcionalmente a colaboração entre órgão estatal e cultos religiosos ou igrejas que se revele de interesse público;

CONSIDERANDO que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a promoção do ‘bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’;

CONSIDERANDO a implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos - 3 (PNDH - 3), cujo objetivo estratégico VI é o ‘respeito às diferentes crenças, liberdades de culto e garantia da laicidade’, sendo ainda recomendado aos Poderes Estatais, em todas as esferas, e ao Ministério Público, o fi el respeito ao princípio da laicidade;

CONSIDERANDO a neutralidade como característica inerente ao Princípio do Estado Laico, evitando que alguma religião exerça controle ou impeça a execução de políticas públicas;

CONSIDERANDO que o Estado Laico representa verdadeira salvaguarda à liberdade religiosa de cada cidadão, consagrada no art. 5º, inciso VI da Constituição Federal, na medida em que não endossa nenhuma religião, garantindo, outrossim, o respeito à descrença religiosa;

CONSIDERANDO os termos da Recomendação CNMP nº. 51, de 21 de fevereiro de 2017, que dispõe sobre a necessidade  de garantir a fi el observância e concretização do princípio constitucional do Estado Laico no exercício das funções executiva, legislativa e judiciária do Estado Brasileiro, inclusive com a adoção de políticas públicas que reforcem a neutralidade estatal em sua atuação frente às questões religiosas e fi losófi cas;

CONSIDERANDO que a Lei Federal nº. 8.429/92, em seu art. 4º, dispõe que ‘os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência no trato dos assuntos que lhe são afetos’;

CONSIDERANDO que a não observância, pelo agente público, dos princípios constitucionais, a exemplo do da legalidade pode, eventualmente, confi gurar a prática de ato de improbidade administrativa atentatório aos princípios da Administração Pública, previsto no artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa;

CONSIDERANDO o objeto do Procedimento Preparatório nº. 004/2017 - 27ª que reside em apurar o pretenso uso das dependências da Câmara Municipal do Recife para a realização de evento religioso;

CONSIDERANDO, finalmente, que cabe ao Ministério Público expedir Recomendações para que os Poderes Públicos promovam as medidas necessárias à garantia e ao respeito à Constituição e às normas infraconstitucionais;

RESOLVE
RECOMENDAR PREVENTIVAMENTE A MESA DIRETORA DA CÂMARA MUNICIPAL DO RECIFE, NA PESSOA DO SEU PRESIDENTE, OU A QUEM VIER A SUCEDÊ-LO, QUE SE
ABSTENHA DE AUTORIZAR/PERMITIR A REALIZAÇÃO NAS DEPENDÊNCIAS DAQUELA CASA LEGISLATIVA E/OU SEUS ANEXOS, DE REUNIÃO/ENCONTRO OU ASSEMELHADO, EM
QUE HAJA A PRÁTICA DE LITURGIAS E RITUAIS PRÓPRIOS DE CULTUAÇÃO RELIGIOSA. Fica ciente o destinatário que chegando ao Ministério Público do
Estado de Pernambuco notícias concretas do descumprimento do contido nesta Recomendação, importará na adoção das medidas judiciais cabíveis para correção das irregularidades e responsabilização dos agentes públicos, salientando, ainda, que a expedição prefi xa responsabilidade e demarca o dolo.  Fixo o prazo de 20(vinte) dias para que a autoridade acima  relacionada informe a esta Promotoria de Justiça sobre as providências adotadas em face da presente Recomendação.

 

Eduardo Luiz Silva Cajueiro
Promotor de Justiça



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