Política
Opinião
José Luís Delgado: Dupla moral
Não há termo de comparação entre o número de mortos e desaparecidos políticos no Brasil e os fuzilados nos paredões da ditadura cubana
Publicado: 13/12/2016 às 07:06
Por José Luís Delgado
Advogado
Que tal suprimir a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, fechar jornais, proibir terminantemente os sindicatos de fazer greves, acabar com os demais partidos, instituir o regime do partido único, mandar os adversários para a prisão ou para o exílio? Parecerá absurdo, criminoso, totalitário, antidemocrático? Pode-se tolerar um regime assim? Pior: pode-se louvá-lo, exaltá-lo, apontá-lo como modelo?
E se esse regime, além de eliminar a liberdade, também torturar os adversários, e até sistematicamente matá-los – sob qualquer pretexto (resistência, tiroteio, oposição) executando-os sumariamente, por exemplo, no paredão?
O regime militar brasileiro praticou esses atentados? E por isto é tão execrado? Mas a ditadura castrista em Cuba não fez o mesmo, ou até muitíssimo pior, e muitos não a louvam? É verdade que uma única morte praticada pelo governo basta para condená-lo inapelavelmente – mas não há termo de comparação entre o número de mortos e desaparecidos políticos no Brasil e os fuzilados nos paredões da ditadura cubana. Nem há termo de comparação entre a falta de liberdade lá e a reduzida liberdade que houve aqui; entre a supressão de todos os demais partidos políticos lá, e a manutenção, ainda que com restrições, dos partidos aqui; entre o número de exilados aqui e a quantidade estúpida de exilados lá.
Os dados foram escamoteados, mas os mais benevolentes levantamentos calculam em mais de 550 as execuções nos 6 primeiros meses da revolução – de adversários políticos e de companheiros de guerrilha tornados “contrarrevolucionários”. Em 1970 eram umas 5 mil. E terão chegado a 12 mil. Nos três primeiros anos, nada menos de 250 mil cubanos fugiram de Cuba. Só em 1980, foram 125 mil os que saíram da ilha, fazendo com que Miami quase virasse território cubano. Cuba é simplesmente, há 57 anos, a mais duradoura ditadura do mundo contemporâneo.
O que há de espantoso relativamente a esse ditador Fidel, que acaba de deixar esta terra que encharcou com tanto sangue, é o louvor daqueles que, ao mesmo tempo, protestam com a mais veemente revolta contra os mesmíssimos abusos praticados, em muitíssimo menor escala, pelo outro lado. Quer dizer que se for em meu favor, pode? Se for com a alegação de que está lutando por uma sociedade mais fraterna e mais justa, pode? Que absoluto absurdo é esse, de, em nome de um futuro utópico (que chegará ou não), destruir o presente? Em nome da união nacional, pode extinguir os outros partidos, os que não compartilham minhas ideias? Só têm direito os que pensam igual aos governantes? Não há maior falsidade intelectual. Como ainda se dizem democratas? Como ousam dizer que defendem a liberdade e os direitos? Como querem se opor a regimes que os perseguem? Dois pesos e duas medidas. Dupla moral. Duplicidade de critérios, para dizer o mínimo. Cinismo e hipocrisia, isto sim.
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