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Política
Opinião

Francisco de Queiroz B. Cavalcanti: Impedimentos, suspeições e desvio de finalidade

Surge uma indagação acerca da aplicação das figuras do impedimento e da suspeição ao legislador

Publicado: 07/12/2016 às 07:00

Por Francisco de Queiroz B. Cavalcanti 
Professor titular e diretor da Faculdade de Direito da UFPE

A atividade legislativa pela sua própria natureza implica em parcialidade, falta de isenção, na medida em que a sociedade é plural e cada parlamentar, naturalmente seria defensor de teses, ideias e interesses atinentes a cada um, ou a alguns desses segmentos. Quando se tem, entretanto, grandes grupos de interesse patrocinando as eleições, transformando parlamentares em seus “procuradores” para interesses específicos, menores, difícil sustentar que tal atividade seria uma natural decorrência da democracia. 

Mais grave ainda quando a atuação do Parlamentar passa a ter como claro objetivo evitar a incidência de uma norma legal, a todos aplicáveis, a ele elaborador da lei. Imagine-se a hipótese de um parlamentar ter enviado dinheiro de origem ilícita para um país estrangeiro, fruto, hipoteticamente, de saldo de “caixa 2”( recursos alocados para campanha eleitoral, sem declaração), muitas vezes com o claro intuito de encobrir p.e, terem sido fruto de “superfaturamento” de obras e serviços. Dúvida não há tratar-se de propina, mas atenua-se a expressão, cria-se um eufemismo, em função da destinação, melhor explicando-se: se alguém recebe valores para a aquisição de bens seria um crime mais grave que o mesmo recebimento destinado a financiamento de campanha. 

O sistema jurídico brasileiro não prevê essa causa de exclusão de ilicitude penal. A partir dessas considerações surge uma indagação acerca da aplicação das figuras do impedimento e da suspeição AO LEGISLADOR. Nesse caso, a natural e lícita parcialidade do legislador não poderia estar presente, por hipótese, na votação de um projeto de lei para anistiar o ilícito do Legislador. Seria aplicável a legislação referente à tipificação sancionadora de prática de ato de ofício para benefício próprio, é essa a questão que surge. A figura do desvio de finalidade estaria bem caracterizada. 

Outras hipóteses poderiam ser elencadas. Em verdade, em época na qual o legislativo apressa-se em aprovar medidas sobre abusos de autoridade de membros do Ministério Público e do Judiciário não seria de se ter uma profunda reflexão sobre os limites da lícita atividade de LEGISLAR que não pode ser transformada de instrumento  para se alcançar aprimoramento da sociedade, para redução de desigualdades, em instrumento para a proteção de praticantes de ilicitudes graves, com enormes prejuízos para o país e para a própria visão que se deve ter da classe política, imprescindível para a consolidação da democracia brasileira. Afinal o Brasil não deve permanecer como aquele país descrito pelo autor argentino Carlos NINO (em sua obra Um país a margem da Lei), em referência ao país vizinho, mas com perfeita adaptação ao Brasil. 
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