Opinião Jorge Santana: Sobre acordar o governador "O livro Acorde o governador, escrito por um médico, mas sem pretensão de ensinar medicina, é indispensável aos profissionais"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 05/05/2016 07:12 Atualizado em:

Por Jorge Santana
Sócio da APAF

O sucesso de um livro não se mede pelo imediato acolhimento da sociedade e do juízo crítico. Há os que se assemelham a erráticos fósforos. Há os que ardem como fogueiras, por um bom tempo. Há os que se parecem com a sarça bíblica, iluminando por gerações e gerações. O que os distingue é a energia inerente a cada um, procedendo ora da temática abordada, ora da forma literária, ora dos valores suscitados, ora das ideias-força de que são portadores, ora da poderosa convergência desses elementos.

Acorde o governador, livro do médico, professor e acadêmico Cláudio Lacerda, reúne os fatores essenciais para entrar no rol das obras literárias duradouras. Com efeito, trata acerca de como restaurar vidas humanas no limite do desengano. E não o faz com apelo à abstração das teorias médicas, senão remetendo a experiências concretas da tecnologia cirúrgica, de que o transplante de fígado é um exemplo candente. Os inúmeros casos relatados não deixam dúvida de que, malgrado toda a falibilidade da medicina e dos médicos, está-se contando com meios práticos e eficazes de recomposição da vida física, psíquica e social de muitos indivíduos e suas famílias.

Além desse mérito substantivo, o livro é escrito numa linguagem ao mesmo tempo leve, clara e envolvente, sem concessões à vulgaridade nem danos à precisão vernacular e científica. O autor revela perfeito domínio da arte de expor suas ideias, conduzindo o leitor a experimentar com ele as alegrias dos momentos de bom êxito, tanto quanto as agonias dos instantes de incerteza e as agruras dos episódios de malogro. Essa qualidade virtuosa do texto está presente na estrutura geral da obra, mas também em cada uma das suas partes. Eis por que, ademais de fácil e saborosa, a leitura é irresistível e desafiadora da curiosidade.

O mais relevante, porém, no livro de Cláudio Lacerda, está no conjunto de valores éticos e atitudinais, que ele toma como referenciais da prática médico-cirúrgica, histórica, concreta e exemplarmente vivenciada por ele e sua equipe. Põe-se a serviço do cidadão. Adota o respeito e a solidariedade como primordiais no trato não seletivo ou excludente dos pacientes. Recusa o envolvimento médico com os planos de saúde, em razão dos conflitos de interesse. Trabalha exclusivamente com o Serviço Único de Saúde (SUS). Defende a total transparência dos procedimentos médicos. Empenha-se na formação completa dos profissionais de medicina, seja na perspectiva científica e tecnológica, seja na dimensão ética e humanista, ainda que isso implique eventual sacrifício e exija heroísmo de cada um deles.

Por tudo isso, o livro Acorde o governador, escrito por um médico, mas sem pretensão de ensinar medicina, é indispensável aos profissionais médicos e paramédicos, presentes e futuros, servindo-lhes de leitura de cabeceira. Não é, pois, livro destinado a vida breve.

Acorde o governador ressalta, nas linhas e entrelinhas, a necessidade de uma tomada de consciência, por parte das famílias, da importância da doação de órgãos. Sem ela, não há transplante. Donde se vê quanto o avanço técnico é cativo do arbítrio humano. Mas o livro também sugere, sem meias palavras, a urgência do ajuste das normas e dispositivos legais, disciplinadores da prática dos transplantes, de modo a torná-los mais justos, mais ágeis, mais efetivos. Ao mesmo tempo, cobra presteza nas providências relativas à melhora das condições operacionais das equipes. Isso exige acordar governadores, legisladores, gestores e, dentre outros, formadores da opinião pública. Com tamanho desafio pela frente, a sociedade nossa demandará, por um longo tempo ainda, a luz e a força provocadora desse livro oportuno e promissor.


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