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Opinião Raimundo Carreiro: É verdade. Sinônimo não existe. E agora? Mas, afinal, o sinônimo existe ou não existe?

Publicado em: 15/02/2016 09:57 Atualizado em:

Foi um susto. Um grande susto desses de silenciar o coração. Mas estava escrito: “Não existe sinônimo”. Se estava escrito, quem era o autor. Quase escrevo “Se estava escrito, quem é o autor”. Isso mesmo, imperfeito e presente. Talvez não seja correto, começar uma frase com o imperfeito e terminá-la com o presente. Além de ser um tempo verbal é também um tempo psicológico do leitor. Imperfeito, pela própria natureza e pela denominação não tem tempo fixo. Afinal, é imperfeito. É uma ação - seria mesmo uma ação? - que não começa nem termina. Por exemplo: “Carrero caminhava na Jaqueira”. Carrero começou a caminhar quando? E terminou de caminhar quando? Quem descobriu o efeito psicológico do tempo verbal na narrativa, embora muito contestado - foi Flaubert. Basta ler “Um coração simples”. Meus alunos na oficina literária sabem, já debatemos muito. O grande crítico inglês A. A. Mendilow por exemplo, não concorda.

Mas, afinal, o sinônimo existe ou não existe? Procuro o livro de Borges na biblioteca para fazer a citação correta, não encontro; insisto no dr. Google e não encontro. O que tem no Google, para meu desgosto, é o verbete: Os sinônimos de Borges. Começo a desconfiar, estou mentindo ou estava mentindo? No imperfeito porque fiz a primeira referência no início do artigo e está, portanto, no passado imperfeito. Ou pretérito. Passagem de tempo, físico e psicológico. Mesmo assim, quando escrevo o artigo é agora-presente, quando é publicado passado. Ou presente? Tudo isso depende do que quero do leitor. O leitor é o mais importante. Sempre. Escrever é assim. O escritor precisa estar consciente de cada palavra. E haja repetição, sem sinônimos. Mesmo quando erra. Palavras não são meteoritos que caem na página.

Por isso fiquei maluco, antes e agora, portanto, fico. Sem os sinônimos o mundo desaba. Ou desabou.? “Deve ser erro de revisão”, pensei. Mas a angústia era tão grande que suspendi a leitura e vi o mundo em convulsão. O mundo nunca mais será o mesmo, disse. E tanto acreditei no que li que fiz citações no meu livro Os segredos da ficção, ainda que em dúvida. É Borges, e Borges tem sempre razão. Sempre.
Lembrei-me, então, dos meus tempos de redação de jornal quando aprendi que mãe não é genitora, é mãe; pai não é genitor, é pai; moça não é moiçola, é moça; sol não é astro rei, é sol. Em ficção é ainda mais complexo, não diga “José é feliz.” Invente uma cena em que José seja feliz e o leitor compreenderá. Em Dom Casmurro, Machado de Assis - através do narrador - não diz que o personagem é um velho deprimido, resmungão e chato, mostra a cena do poeta do trem. Está lembrado?

Percebo a confusão, dizer e não dizer, é e não é, não diga, mostre, diga e não diga. Diga. Insisto, ficção é efeito cênico e psicológico. Procure a expressão certa - língua e gramática - para a cena certa - psicologia e sedução. Quem criou o mote justo não foi um poeta, foi Flaubert, romancista.

LIVRO DE LINA - Recomendo o lançamento do livro de Lina Rosa sobre animais em extinção no dia 20. Belíssimo, nas palavras e nas ilustrações. Vale a pena ter um livro assim em casa, enriquece e ilumina a vida.

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