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Opinião
Heloisa Ramos Lacerda: a cura da hepatite C ao alcance dos brasileiros
Existe uma epidemia silenciosa de hepatite C no Brasil, estimando-se em 1,7 milhão o número de infectados
Publicado: 05/02/2016 às 07:02
Por Heloisa Ramos Lacerda
Infectologista e professora da UFPE e UPE
Dinalva Silva, 37, dona de casa de classe média baixa, mãe de três filhos, residente na periferia do Recife, inicia a consulta queixando-se de fadiga, com a pele amarelada e outros sinais de comprometimento das funções do fígado pela hepatite C. Havia tratado essa doença durante seis meses com interferon e ribavirina, as drogas até então disponíveis. Como efeitos colaterais, sofreu com depressão, dores musculares, cefaleia, moleza, redução dos glóbulos brancos e anemia, somados a uma infecção urinária grave. Depois disso tudo, para sua decepção e tristeza, soube que não havia se curado, pois o vírus persistia em seu organismo.
Nós, infectologistas e hepatologistas, temos lidado frequentemente com situações como essa ao longo das últimas décadas. Ser portador da hepatite C tem sido desanimador. Sem a eliminação do vírus, a doença pode evoluir para cirrose e para o câncer de fígado. O transplante, indicado nos estágios mais avançados, carrega elevada chance da recorrência da infecção no novo órgão. Por outro lado, a toxicidade desses medicamentos, particularmente do interferon, é enorme e as chances de cura modestas.
Existe uma epidemia silenciosa de hepatite C no Brasil, estimando-se em 1,7 milhão o número de infectados. Como agravante, a maioria não sabe que tem a doença, devido ao seu caráter assintomático nos primeiros anos, fato que torna a cirrose provocada pelo vírus C a principal causa de transplante de fígado no país.
Brasileiros com mais de 40 anos, usuários ou ex-usuários de drogas injetáveis, pessoas que receberam transfusão de sangue antes de 1993, receptores de injeções em seringas de vidro e, finalmente, pessoas que se utilizaram de manicure ou de tatuadores que não seguem as normas de segurança, são consideradas de risco.
O teste rápido, atualmente disponível, facilitou sobremaneira o diagnóstico, utilizando apenas uma gota de sangue. Modernos aparelhos semelhantes aos de ultrassonografia (fibroscan), determinam a intensidade do dano e o estágio da doença no fígado, evitando com isso a biópsia, com seus riscos inevitáveis.
Sem dúvidas, o prognóstico da hepatite C melhorou radicalmente. Às ferramentas diagnósticas citadas, somaram-se os novos antivirais de ação direta, que inibem a replicação viral e promovem a cura em mais de 95% dos casos. Possuem baixíssima toxicidade e podem ser utilizados em pacientes que já têm cirrose. Embora caríssimos, três desses novos medicamentos já foram importados e padronizados para distribuição gratuita pelo Ministério da Saúde: o sofosbuvir, o simeprevir e o daclatasvir.
São utilizados em combinação, geralmente em dupla, de acordo com o genótipo do vírus. A duração do tratamento é de 84 dias, contra 24 a 48 semanas nos esquemas convencionais. Por enquanto, podem ser prescritos para os transplantados de fígado, para os portadores de fibrose estabelecida ou cirrose, para os pacientes com repercussões severas do vírus fora do fígado e para os coinfectados com o HIV.
Dinalva ainda não está curada, mas estamos otimistas. Deverá iniciar o novo tratamento nos próximos dias. É grande a chance de retornar à próxima consulta com carga viral indetectável e de erradicar a infecção ao fim do tratamento, evitando com isso a cirrose, o câncer de fígado e, consequentemente, a necessidade de transplante. Comemoramos com ela e com milhares de outros brasileiros a alegria de contar com esses avanços.
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