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Opinião Opinião: Roberto Viana Batista homenageia José Mariano e seu legado no Pajeú "Todos que conheceram Seu José de perto respeitavam sua sabedoria, a inteligência incomum e a impressionante força"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 11/01/2016 07:00 Atualizado em:

Por Roberto Viana Batista
Empreendedor, é pernambucano nascido em Timbaúba, economista formado pela Universidade Federal de Pernambuco e pela Universidade de Cambridge.

Neste exato momento multidões de brasileiros sofrem angústias e auges crescentes de pessimismos. O ambiente de crise intensa conduz a sentimentos e pensamentos negativos, não gerando motivação para olhar com a devida intensidade em direção a tanto de positivo que existe e resiste ao nosso redor. Assim, gostaria de introduzir claro contraste para podermos ser iluminados por um personagem que nos legou marcantes lições de esperança e de luta.

Pernambuco viveu agora no dia 7 de janeiro a despedida de um homem especialmente conhecido na sua Afogados da Ingazeira e no Sertão do Pajeú, merecendo nossa justa homenagem: José Mariano de Brito, 87 anos, pai do meu amigo Antônio Mariano. Todos que conheceram Seu José de perto respeitavam sua nobre sabedoria, a inteligência incomum e a impressionante força de vencer desafios.

Nasceu em 1929 no Sítio São João, quando lá não existia luz elétrica. Porém o que prevalecia de pior era a escuridão gerada pela falta de apoio educacional para o que na época era a esmagadora maioria da população sertaneja composta por camponeses. Dessa forma, ele passou a infância inteira lavrando a terra seca e cuidando de animais que frequentemente sofriam de fome e de sede. Jamais recebeu qualquer estudo formal, contudo carregava sua própria capacidade autônoma de também plantar, cultivar e pastorear pensamentos livres sobre a condição humana. Mesmo sob o sol mais escaldante, Seu José podia sonhar acordado pois o milagre da água, mãe do verde e da vida, tardava mas ciclicamente chegava e com isso irrigava suas esperanças.

Depois de muito penar e pensar, aos 15 anos de idade decide deixar a vida de camponês e se desloca para a cidade. Ali viu que pouca coisa mudava: cada dia era uma batalha nova e feroz pela sobrevivência. No entanto, seguiu firme como trabalhador incansável e logo se tornou pequeno comerciante. Seu José foi compreendendo cada vez mais que o mundo do bem só pode pertencer a quem trabalha de maneira destemida, séria e permanente.

Ele gostava de repetir:  “Tenho esperança, sobretudo quando parece que não vou conseguir. Uma nova esperança surge para mim no meu interior, e então eu tomo alento, respiro fundo e continuo andando e lutando para vencer”. E venceu como comerciante austero e respeitado, sempre cumprindo com os compromissos assumidos. Navegou por todos os cantos, embora sempre ancorado em suas raízes e unido à sua gente sertaneja. 

Não foi por acaso que seguiu crescendo como empreendedor, a ponto de se tornar o maior comerciante de estivas de Afogados da Ingazeira durante muitas décadas. O seu analfabetismo nunca lhe provocou medo e jamais impediu de negociar com doutores e até mesmo estrangeiros. Sua sagacidade se aliava a uma doçura humana e uma simplicidade cativante. Fazia os outros pensarem junto com ele e sempre conseguia convencer de maneira natural, numa filosofia da reciprocidade dos ganhos, a única que considerava geradora de relacionamentos sustentáveis. 

Pouco a pouco foi criando patrimônio de imóveis urbanos, propriedades rurais, aplicações financeiras e investimentos diversificados. Com o passar do tempo só aumentou a conquista do respeito de toda a Afogados da Ingazeira e do Sertão do Pajeú, sendo praticamente um mito no Sítio São João. A dignidade de suas conquistas era admirada por todos os que o conheciam, inclusive comerciantes de outras regiões.

Se por um lado não teve a chance de estudar,  por outro jurou para si próprio que destino distinto teriam seus filhos: "Eu sempre dizia que só poderia morrer em paz e feliz vendo todos os meus filhos formados". E assim aconteceu. Todos os seus 13 filhos concluíram curso superior, cobrindo os mais distintos segmentos, como Direito, Psicologia, Arquitetura, Letras, História e depois netos entraram em carreiras como Medicina, dentre diversas outras áreas. A família dedicada aos estudos fez do Seu José um homem ainda mais realizado, pois ele bem sabia como o sofrimento é muito maior para vencer na vida quando não se tem formação educacional.

Na verdade, sua realização ultrapassou o mundo dos negócios e a educação dos filhos. Chegou até mesmo à política, pois comemorou muitas vitórias, particularmente com o seu primogênito Antônio Mariano. Aos 24 anos, Antônio se elegeu vereador de Afogados da Ingazeira, aos 28 anos venceu a eleição para prefeito e depois cumpriu quatro mandatos na Assembleia Legislativa de Pernambuco, inclusive assumindo diversos postos de liderança. Vários netos também ingressaram na política, como Aline Mariano, vereadora do Recife em segundo mandato e atual secretária municipal do prefeito Geraldo Júlio.

Muito mais poderíamos falar sobre a saga de Seu José Mariano.  Ocorre que o essencial é a força do exemplo de como um camponês sertanejo sem qualquer estudo conseguiu nos deixar o legado de homem sábio, nobre, amigo, vencedor, sem jamais abandonar suas raízes e seus princípios de dignidade. Mesmo não tendo educação formal, deixou ensinamentos para podermos ter uma melhor compreensão prática da vida. Dentre as muitas lições, a que mais especialmente me impressiona: "Nunca deixe que ninguém impeça você de sonhar".

A História se planta com sonhos reais, nascendo do chão profundo da condição humana. O desenvolvimento se constrói além dos poderosos gabinetes oficiais das grandes capitais e dos ricos salões dos grandes capitais. A História vive e pulsa, chora e deplora, luta e resiste, destrói e constrói nas casas e famílias espalhadas em todos os cantos do planeta, inclusive nos tão esquecidos e abandonados tórridos Sertões. A beleza que fica com o exemplo do Seu José Mariano: mesmo na mais erma escuridão no Sítio São João, no Pajeú, em plena Grande Depressão de 1929, nasceram luzes que hoje podem iluminar com esperança este momento sombrio de nossa História.


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