Política
Editorial
Editorial: os danos da lama de Mariana
A tragédia não decorreu de extremo climático ou geológico, mas do comportamento negligente do poder público
Publicado: 11/01/2016 às 06:57
Em 5 de novembro passado, 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de ferro da mineradora Samarco, em Mariana (MG), foram lançados no ambiente com o rompimento das barragens do Fundão e Santarém. A cidade de Bento Rodrigues foi arrasada, e o Rio Doce, um dos mais importantes, acabou pavimentado.Treze mortos entre 28 desaparecidos foram encontrados. Após 17 dias, os resíduos alcançaram o oceano, deixando rastro de quase 400km de destruição, em 15 cidades de Minas e três do Espírito Santo.
Ao contrário do que previam as autoridades ambientais do governo federal, na quinta-feira passada, a lama alcançou o Litoral Sul da Bahia. O maior temor era o de que chegasse ao Parque Nacional de Abrolhos, que abriga a maior biodiversidade de corais do Atlântico, vários deles considerados relíquias no cenário global. A depender do volume de rejeitos, não estão descartados reflexos nos principais destinos turístico baianos, como Trancoso, Porto Seguro, Arraial d'Ajuda, que apostam no aumento do afluxo de visitantes para elevar a arrecadação de recursos.
Na bacia do Rio Doce, os resíduos eliminaram algas, invertebrados, répteis, anfíbios e nascentes, locais de reprodução de pelo menos 80 espécies de peixes. Os pescadores perderam fonte de sustento da família. Milhares de outras pessoas estão com o acesso à água comprometido. Os agricultores familiares não têm onde plantar um grão. A lama seca é solo infértil.
Medidas judiciais voltadas à reparação dos prejuízos ambientais e patrimoniais são questionadas pela Samarco e acolhidas pelos tribunais. A força da legislação ambiental está em xeque. A Vale e a australiana BHP, controladoras da Samarco, agem para transformar ações judiciais em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Trata-se de estratégia para ganhar tempo, evitar eventuais punições mais severas.
Os cuidados com as vítimas e manutenção da atividade mineradora na região deixam o Estado dividido entre a arrecadação de royalties e o bem-estar do coletivo. A fiscalização não foi rigorosa o suficiente para alertar e exigir da empresa sistema adequado de segurança, ao constatar o saturamento da capacidade da barragem. Não se ocupou de fazer averiguações com regularidade, cobrar a elaboração e aprovar plano de contingência ou implantação de alerta à população em caso de acidente.
A tragédia de Mariana não decorreu de extremo climático ou geológico, mas, em grande parte, do comportamento negligente do poder público. O Brasil ainda acolhe modelo de mineração típico do século 18. Tanto a legislação ambiental quanto a de exploração das riquezas do subsolo está subordinada a interesses que, nem de longe, leva em conta o patrimônio natural, menos ainda direitos das populações afetadas. Assim, ora a lama invade o mar, ora navegamos no mar de lama.
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