Tentativa de golpe ou mera preparação?

Paulo César Maia Porto
Advogado e mestre em Direito Público

Publicado em: 13/06/2024 03:00 Atualizado em: 12/06/2024 22:43

Em diversas oportunidades, como nos recentes atos públicos, o ex-Presidente e apoiadores confessaram a prática de ações que se encaixam, perfeitamente, no crime de “Tentativa de Golpe de Estado”. Socorrem-se, no entanto, de argumentos um tanto frágeis: tudo não passou de “atos preparatórios”; como o golpe não se iniciou, não houve crime.

É bom lembrar que, de início, negaram todos os fatos, até que a Polícia Federal recolheu vasto material probatório — documentos, arquivos, trocas de mensagens, testemunhos vários e coerentes — que tornaram sem efeito qualquer tentativa de esconder a verdade. Por isso o recurso último à frágil tese.

Quando um golpe é iniciado, a ordem constitucional já é violada. Morre o Direito e daí pra frente é conflito. Um contragolpe eficaz poderia, eventualmente, restaurar a ordem jurídica, embora nem sempre aconteça.

Tornar crime a “tentativa de golpe” serve justamente para punir a trama, a conspiração, a preparação. Se o plano fosse posto em prática, já não se trataria mais de tentativa. Seria o golpe em andamento.

Crime é, conceitualmente, a lesão ou ameaça de lesão a um bem jurídico relevante. Há tipos penais que dispensam resultado material, pelo grau de ameaça que a conduta representa. Dirigir embriagado é crime, ainda que o motorista não se envolva em qualquer acidente. Fabricar dinheiro falso já é crime, mesmo que as notas não entrem em circulação. Os exemplos são muitos.

A democracia é o bem mais precioso que a sociedade brasileira possui. Imaginem-se agentes públicos, pessoas em posição de poder, e empresários dispostos a financiar atos de violência, unindo-se para planejar um golpe de Estado. Essa conspiração já expõe a democracia a grave risco. Por isso a lei pune a trama golpista a título de “tentativa de golpe”.

Basta usar o conhecido método da “redução ao absurdo” para desmontar a tese dos golpistas. Se toda a ideação do golpe, planejamento dos caminhos e etapas, reuniões para colecionar apoios, redação dos documentos que forjariam uma falsa base jurídica etc. — se tudo isso representasse mera “preparação não-punível”, teríamos de aceitar as tramas e conspirações golpistas como atividades normais de qualquer governo ou grupo oposicionista — o que é logicamente absurdo.

Claro, todo mundo tem direito à mais ampla defesa. Viva os Direitos Humanos e boa sorte aos advogados.

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