Hiper-realidade no movimento docente

Felix Santos
Ph.D. em Matemática e professor do DEMEC-CTG-UFPE

Publicado em: 04/06/2024 03:00 Atualizado em: 03/06/2024 22:35

Nestes nossos tempos, há um transtorno nos processos comunicacionais onde se substitui o objeto por seus atributos, esperando com isso que seja tornada verdade a existência de fatos com as características desejadas. Recentemente, um professor da UFPE veio a público (Diario de Pernambuco, 23/05/2024) para, referindo-se à pós-verdade e “fake news”, dizer que “grupos minoritários” têm disseminado “informações falsas, manipulado narrativas” e usado a “desinformação como ferramenta”.

Primeiro, há uma falta de compreensão do que é chamado de pós-verdade, ou seja, o uso deliberado de emoções e crenças pessoais para distorcer mesmo aquela realidade que grita à nossa frente. Já “desinformação” é o resultado de um conjunto amplo de mecanismos (que contém aqueles da pós-verdade ou que produzem “fake news”) intencionais de produção e/ou transformação da informação através dos quais a percepção das pessoas sobre fatos ou circunstâncias é artificialmente fabricada. “Desinformação” pode ir desde narrativas flagrantemente falsas – como a afirmação de que Bolsonaro cuidou das pessoas na pandemia – até um conjunto de várias afirmações desconexas, como o artigo de referência para este texto.

Em segundo lugar, em nenhum momento há no texto citações das declarações ou afirmações que seriam “fake news” ou que mesmo pudessem ser enquadradas dentro da pós-verdade. Portanto, torna-se um texto vazio, sem os objetos que poderiam suportar suas declarações. Isso é um mecanismo intencional para manipular percepções do leitor.

Em determinado momento, o autor afirma que o movimento docente é marcado por uma “postura antissistema” e “golpista”, quando sabidamente o movimento docente abriga opiniões políticas muito diversificadas. Deve-se marcar aqui, por exemplo, que o autor é apoiador do Proifes, uma federação sindical minúscula, que não possui sequer carta sindical, mas é utilizada há décadas pelos governos quando desejam celebrar acordos lesivos aos docentes das universidades federais. Daí, em um ato falho de um apoiador de uma federação governista, surge o termo “antissistema”, sempre que o movimento docente se posiciona para reivindicar seus direitos frente ao governo federal.

Já o termo “golpista” seria melhor aplicado ao que algumas direções ligadas ao Proifes têm feito: interromper no meio as assembleias on-line, como na UFSC e na UFG, assim que perceberam que a proposta do governo seria derrotada. Aqui mesmo, na UFPE, coisas semelhantes têm ocorrido através de violações frequentes do estatuto do Andes-SN, do qual a Adufepe é uma seção sindical. Por exemplo, essa diretoria não paga as anuidades do sindicato; realiza assembleias com formas de decisão vedadas pelos estatutos do sindicato; censura as publicações do Comando Local de Greve antes que sejam veiculadas pela entidade; e não permite publicações do Comando na sua página, entre outras barbaridades. No entanto, é o Comando quem organiza, viabiliza e realiza todas as atividades da greve orientadas para a informação, acolhimento e envolvimento dos docentes em seu movimento de paralisação.

Apesar da diretoria da Adufepe achar que pode fazer o que deseja, não há nenhum movimento pedindo sua destituição. Aliás, chama a atenção a estimativa que o autor daquele texto faz para o tamanho do grupo golpista: 2% a 3% dos docentes. Para que isso não seja classificado como mais uma “fake news”, teria sido importante a apresentação da pesquisa que deu origem a essa afirmação. Mas, claro, não há nada neste sentido.

Concluindo, apesar de meu colega professor achar que já estaríamos completamente submersos na hiper-realidade, onde as pessoas estariam presas em sua incapacidade de distinguir a realidade da fantasia, talvez seja um choque para ele e para os bolsonaristas que ainda haja muitas pessoas com suas consciências livres e em plena atividade.

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