Arcoverde

Lucas Belfort
Advogado e mestre em Direito pela FDR/UFPE

Publicado em: 06/06/2024 03:00 Atualizado em: 06/06/2024 00:20

Há um lugar, para todo mundo, em que os sentimentos e desejos são sempre atendidos ou abrandados, onde as pessoas nos fazem mais felizes, o ar entra com mais graça nos pulmões, os amigos são mais amigos e as mulheres mais bonitas. Nem todos têm a sorte de encontrar, mas tal qual a crença pueril de que cada pessoa possui uma alma gêmea, profiro a crença segundo a qual todos possuem lugares assim, e, mais especificamente, acredito que todos têm uma cidade. Nem precisa ter a divisão político-administrativa de município, pode ser um conglomerado populacional qualquer, em qualquer torrão de terra do mundo. Quando passar por ela, você saberá, não se preocupe. A minha cidade achei há alguns anos. Criei laços, fracos e fortes, passei a amar a gente. Arcoverde. Sertão pernambucano. Depois de uma semana estafada, triste, cansada, injusta, arrumo um meio qualquer para percorrer o trajeto do sofrimento eterno dos duzentos e cinquenta quilômetros que nos separam.

É também o primeiro lugar que penso em ir quando de uma grande derrota ou decepção, naqueles dias disformes, tristes, angustiados, que nos deixam com a sensação de finitude e precipício. Deixo guardadas, para pegar na volta, as infames, torpes preocupações que nos acompanham nessa nossa vidinha egoísta e sem sentido. Deleito-me em cada curva na estrada castigada, pois a cada uma que se precipita por minha janela, menor é a distância que dela me aparta. Viagem longa para o ansioso. Medita-se sobre tudo, faz-se planos, lembra-se de coisas, pessoas, outros lugares, planeja a curta estada que se aproxima. Quando já não se sabe mais se, de fato, chegará na sua Canaã, eis que surgem, entre o ocaso solar de cores tão lindas e sertanejas, a formar um quadro cuja moldura é a saudade e o apego, de um cheiro de verdade e amor, de fiança, lembranças e ternura, as casas já tão conhecidas, as veredas já tantas vezes percorridas, as pessoas que até desconhecidas são familiares. Entre os vales, morros e montanhas, surge minha cidade - defiro-me a prerrogativa da utilização do possessivo pronome -, onde, tão sortudo que sou, faço morada, tenho amigos e uma cultivada esperança.

A sorte realmente me veio, pois essa cidade nossa a qual me refiro tanto pode ser em Mianmar, como ao norte do Alasca, Mongólia, Áustria ou Egito, mas a minha é aqui. Senti-me em casa desde a primeira vez que cruzei seus portões, e ao final do primeiro dia, já sabia que nunca mais a deixaria.

Disseram-me, então, não sei se compadecidos ou invejosos, que paixões citadinas são passageiras, e, como amores de verão, são esquecidas na próxima esquina do tempo; que todos os visitantes são flechados por ela em seus turísticos corações; que a indecisão da cidade ao terminar o Agreste e iniciar o Sertão encanta naturalmente os incautos, e que um dia ela seria apenas uma terna lembrança, presa numa fotografia de um São João distante. Aviso aos que me advertiram que já vai década e meia que tento sem o mínimo de êxito, como despercebido forasteiro agregado, cansar-me do seu solo.

Mas a maior homenagem por mim prestada foi secreta, quase que anônima. Quando, em um órgão público qualquer ou numa conversa de boteco – não me lembro bem –, perguntaram minha naturalidade. Respondi com o gentílico elegante:

– Arcoverdense.

E saí – Um estelionatário apaixonado...

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