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Nada a comemorar III. A justiça de transição

Paulo Roberto Xavier de Moraes
Advogado, professor da ECJ Unicap e Secretário Executivo de Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife

Publicado em: 11/04/2024 03:00 Atualizado em: 11/04/2024 07:09

Conjunto variado de medidas políticas (comissões da verdade), jurídicas (julgamentos e anistias) e simbólicas (programas de reparação e preservação da memória) adotadas no desfecho de variadas formas de conflito, a justiça de transição representa a prevalência dos direitos humanos no início e no desenvolvimento de transições políticas e se impõem como uma das condições necessárias para sua vigência no período subsequente.

A justiça de transição é herdeira direta das mais remotas formas de cessar fogo e por fim a guerras, passando então a integrar o costume internacional, uma das fontes do direito. Consolida-se entre os anos 1980 e 1990 em meio a redemocratização dos países da América Latina e com o fim da União Soviética. Dessas experiências firmou-se como etapa necessária para sustentar as transições de regimes autoritários para a democracia ou ao término. Sua aplicação prática mais conhecida foi a instalação do Tribunal de Nuremberg onde os indivíduos que praticaram crimes de lesa humanidade durante o conflito foram processados e julgados, abrindo caminho para o estabelecimento de nova sistemática de responsabilização penal na esfera internacional que culminou com o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional.

O importante relevo adquirido pelo tema se deve ao seu potencial para promover a (re) conciliação nacional, a ressignificação das violações aos direitos humanos e para a implantação do princípio da “não repetição” e do “nunca mais”, assim como para a elevação dos standards de proteção aos cidadãos. Desse modo, a ONU aprovou em 2014 resolução que a adoção dessas medidas durante transições políticas. Para o International Center for Transitional Justice (ICTJ) a justiça de transição não é uma forma especial de justiça, mas a justiça adaptada a sociedade em transformação após um período de profundos abusos contra Diretos Humanos.

No Brasil a Lei de Anistia representou a primeira medida oficial de justiça de transição e que por outro lado tem adiado o julgamento dos responsáveis pelos atrozes crimes contra a humanidade praticados durante os 21 anos de regime de exceção. Em razão da vedação à autoanistias, como a nossa, o país já foi condenado em duas ocasiões na Corte Interamericana de Direitos Humanos: no caso Araguaia e pelo assassinato de Vladmir Herzog. Nas duas decisões a corte reconhece que a aplicação Lei de Anistia tem obstado a realização da justiça.

Com o advento da Comissão Nacional da Verdade importante capítulo foi estabelecido nesta construção. O órgão reconheceu na ruptura na ordem constitucional atentado contra a democracia brasileira, atestou a existência de sofisticado aparato persecutório que torturou e “desapareceu” pessoas de modo sistemático.

E mais grave, tudo sobre comando direto do Palácio do Planalto como afirma documento liberado pelo governo dos EUA na página do seu Forein Office datado de 11 de abril de 1974 no qual é informado ao chefe da chancelaria norte americana da época, Henry Kinssiger, pelo então diretor da CIA, William Egan Colby, um encontro entre Geisel, João Batista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, ambos do Centro de Inteligência do Exército (CIE). O general Milton, segundo o documento, disse que o Brasil não poderia ignorar a "ameaça terrorista e subversiva", e que os métodos "extra-legais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos".

“No ano anterior, 1973, 104 pessoas “nesta categoria” foram sumariamente executadas pelo Centro de Inteligência do Exército”. Ao final, fica acordado que novas decisões neste sentido deveriam ser aprovadas pelo Gen. João Baptista Figueiredo.

Ao término dos seus trabalhos a CNV responsabilizou 377 agentes estatais pela morte de 434 pessoas cuja vida e legado sim, merecem ser lembrados.

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