Diario de Pernambuco
Busca
A esquerda não é "woke"

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicado em: 06/04/2024 03:00 Atualizado em: 05/04/2024 22:37

No meu livro A Esquerda Hoje (Alta Cult, 2021), argumento que os seres humanos são altruístas, mas também são egoístas. Todos nós oscilamos entre essas duas fontes de motivação a todo momento. Os impulsos da libido fazem parte da postura egoísta, enquanto a sociabilidade é impulsionada também pelo altruísmo. Alguns possuem uma motivação altruísta mais forte, enquanto o egoísmo prevalece em outros. Contudo, essas fontes de motivações variam entre momentos em uma mesma pessoa e também quando as ações são dirigidas a pessoas e grupos específicos. Ou seja, tanto o altruísmo quanto o egoísmo variam entre pessoas, momentos, e quando dirigidos a grupos de pessoas específicas. Aquelas pessoas com um nível médio maior de altruísmo sempre tiveram maior probabilidade a serem mais de esquerda. Entretanto, o fracasso dos regimes socialistas desiludiu muitos e os afastou dos movimentos de esquerda mais amplos. Eles passaram a se preocupar com questões específicas, como mudanças climáticas, questões indígenas, racismo, discriminação por gênero, preferências sexuais ou com pessoas portadoras de algum desafio físico. Abandonaram o engajamento em lutas políticas mais amplas em que a busca para mudar as instituições sociais seja o principal mote. Obviamente, sempre em direção a assegurar mais igualdade de oportunidades e de padrão de vida, a promover a democracia, garantindo maior respeito a todos e a fomentar o progresso social.

Em livro recente (Left is not Woke), Susan Neiman, argumenta que esses movimentos por defesas de grupos minoritários muitas vezes descambam para o que ela chama de tribalismo. A esquerda, por sua vez, é universalista. Por isso, a esquerda não seria woke (expressão em inglês errada que classifica os indivíduos defensores de causas minoritárias como “despertados”). A esquerda se preocupa com todos os cidadãos e defende que a estrutura institucional de uma sociedade assegure os seus valores a todos. Esses são valores que estão na base do cristianismo (quando não distorcidos pela perversidade da ideologia de extrema direita) e na declaração dos direitos humanos. Ou seja, a esquerda luta por igualdade de oportunidades, menos disparidades de padrões de vida, democracia e prosperidade, como discutido no meu livro já citado. Ela argumenta, contudo, que esses movimentos muitas vezes caem na defesa de interesses específicos e abandonam a preocupação com o conjunto da sociedade. Algumas vezes, até mesmo, tornam-se conflitantes com eles. Movimentos contra a discriminação dos negros, por exemplo, podem descambar para o desprezo e discriminação dos não negros. No momento em que essas lutas deixam de defender os valores universalistas da esquerda, os movimentos wokes passariam a ser conflitantes com ela. Movimentos sociais de luta por democracia, igualdade e progresso sempre serão preocupações da esquerda, mesmo que longe de nós. Quando movimentos wokes se restringem a preocupar-se com o seu próprio quintal, eles passam a adotar a prática da direita, que olha apenas para dentro de si e de seus entes queridos. Nesse caso, o altruísmo passou a motivar pouco e o egoísmo teve seu papel ampliado nas decisões. E os movimentos wokes deixaram de ser de esquerda.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL