O Tribunal de Justiça de Pernambuco mais uma vez faz história

Sérgio Ricardo Araújo Rodrigues
Advogado e Professor Universitário

Publicado em: 23/02/2024 03:00 Atualizado em: 22/02/2024 23:38

Nesses ligeiros 24 anos de profissão como advogado, tenho me deparado sempre com novos desafios, alcançado respeito e respeitando os que me cercam.

Tenho cada vez admirado o nosso Tribunal de Justiça de Pernambuco e seus componentes que sempre vêm agindo na vanguarda nacional em temas sensíveis e necessários ao enfretamento.

Nessa semana participei de um julgamento emblemático onde houve o enfretamento de questões voltadas ao custeio de terapias aos portadores de TEA em um Plano de AUTOGESTÂO.

O assunto se tornou polêmico pois o Plano, em seus primeiros anos de criação, não disponibilizava em rede credenciada tais atendimentos e passou a possuí los dois anos seguintes.

Sob tal contexto o plano notificou todos os Associados quanto ao fato de passar a possuir credenciamento e que não iria mais realizar os pagamentos daqueles que vinham sendo tratados em rede não credenciada que estavam em tal situação nos dois últimos anos.

Iniciou se um debate jurídico histórico, levantaram se alguns Institutos Jurídicos, a boa fé objetiva, a supressio e surrectio.

A supressio indica o encobrimento de uma pretensão, coibindo-se o exercício do direito em razão do seu não exercício, por determinado período de tempo, com a consequente criação da legítima expectativa, à contraparte, de que o mesmo não seria utilizado, surgindo assim a surrectio.

Além do que claramente o papel da importância da rotina terápica dos portadores do Transtorno do Espectro Autista.

Rotina é algo importante para toda criança, pois torna o dia mais organizado, impõe limites e permite que ela desenvolva sua independência e autonomia. E no universo autista não é diferente.

Além disso, a rotina é importante para evitar um cotidiano estressante. Por exemplo, quando a criança autista está com uma rotina irregular é comum apresentarem alterações no padrão do sono, maior ansiedade e irritabilidade.

Como não dar importância a rotina já estabelecida de dois anos contínuos de terapias.

Pois, o Tribunal salientou a importância da rotina terápica e ordenou que o Plano continuasse a arcar com os pagamentos das terapias necessárias, levando em conta a legítima expectativa causada pela relação jurídica travada entre as partes.

Esse foi um capítulo especial, onde pude ver, que por traz de estrutura tão formal existe sensibilidade de nossos julgadores e passei a olhar para frente em evoluirmos em tantas outras questões que merecem o devido debate jurídico com coragem e sensibilidade.

Lembrei do lindíssimo texto de Fernando Pessoa:

O Sensacionismo

Sentir é criar.
Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.
- Mas o que é sentir?
Ter opiniões é não sentir.
Todas as nossas opiniões são dos outros.
Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode
comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer sentir o que
se sente. Não que o leitor sinta a pena comum [?].
Basta que sinta da mesma maneira.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras é proibido ser explícito.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é
discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de
uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente.
Ver, ouvir, cheirar, gostar, palpar - são os únicos mandamentos da lei de Deus. Os sentidos são divinos porque são a nossa relação com o Universo, e a nossa relação com o Universo Deus...

Os 24 anos de profissão me tornaram, antes de tudo, mais sensível aos seres. 

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