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Afeganistão: mulheres desafiam o Talibã e protestam por direitos

Publicado: 03/09/2021 às 09:08

/Foto: AFP

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Vestidas com burcas e hijabs (véu islâmico), elas não se amedrontaram quando ficaram frente a frente com talibãs. Nas mãos, cartazes com um grito de resistência — um gesto impensável no Afeganistão sob o primeiro regime da milícia fundamentalista, entre 1996 e 2001. “Pelo direito das mulheres de estudarem e de trabalharem em todas as áreas. Nenhum governo pode ser estável sem o apoio das mulheres”, estampava uma faixa escrita em azul e vermelho. Em um cartaz branco, estava escrito à mão: “Não temam, não temam, estamos unidas!”. Aconteceu, ontem, em Herat, a terceira maior cidade do país, a cerca de 810km a oeste de Cabul. Enquanto marchavam pelas ruas, elas repetiam, em uníssono: “Todas vocês devem lutar contra o Talibã. (…) É nosso dever ter educação, trabalho e segurança!”.

“Estamos aqui para reivindicar nossos direitos”, explicou à agência France-Presse Fareshta Taheri, uma das manifestantes, entrevistada pela agência France-Presse, por telefone. “Mulheres e meninas temem que o Talibã não permita que elas frequentem a escola e trabalhem”, acrescentou. Situada perto da fronteira com o Irã, Herat é considerada uma cidade bastante liberal, pelo menos dentro dos padrões do Afeganistão. Fareshta admitiu à AFP que está disposta a usar a burca, caso os talibãs exijam esse código de vestimenta. No entanto, ressaltou o desejo das mulheres de irem à escola e ao trabalho e lembrou que a maioria das moradoras de Herat decidiu ficar em casa, com medo e incerteza.

Moradora de Cabul, a especialista em gestão educacional Fatima Safari, 24 anos, acredita que a única coisa que as mulheres afegãs podem fazer, no momento, é se manifestarem. “Não podemos esquecer que as participantes do protesto em Herat correm risco. Ainda assim, eu as encorajo a levantarem suas vozes. Todo o mundo está observando a nossa reação ao Talibã. É hora de erguermos nossa voz”, reforçou ao Correio. Segundo ela, a reação dos insurgentes, quando confrontados por jornalistas ou pelas câmeras, costuma ser maquiada. “Não podemos acreditar que o Talibã perdoa as mulheres que trabalharam ou que protestaram. Ainda testemunhamos o assassinato de afegãs inocentes”, disse.

Fatima cita a execução de uma garota, na província de Ghazni. “Ela foi morta pelos talibãs. Ela estava com o seu mahrram (pai, irmão ou tio) e vestia o hijab (véu islâmico). Depois que o talibã a matou a bordo do regsha (tipo de motocicleta), não permitiu que outras pessoas tocassem o corpo dela”, lembra. Por sua vez, a economista Sediqa Hassani, 23, aposta que o ato em Herat pressionará a milícia fundamentalista a incluir as mulheres no governo. “O protesto atrairá a atenção da comunidade internacional para o fato de que os direitos das mulheres estão em perigo sob o regime talibã.

A afegã Patoni Isaaqzai, ativista dos direitos das mulheres, deixou Cabul há duas semanas e, hoje, está em Hamburgo (Alemanha). Ela disse ao Correio que os protestos em Herat “podem ser o início de mais manifestações e de uma rebelião feminina contra o Talibã”. “Vejo essa manobra como muito positiva. O Talibã está desorganizado e busca reconhecimento internacional neste momento. Por isso, esta é a melhor hora para as mulheres agirem”, avaliou. “As afegãs estão em perigo e tentam se mobilizar contra essa vulnerabilidade. Ainda que algumas pessoas pensem que o Talibã mudou, incidentes recentes nos mostram exatamente o oposto. Eles fecharam escolas para garotas e universidades”, exemplificou.

O Talibã deu indícios de que não deve inserir as mulheres no “governo inclusivo” que prometeu, o qual deverá ser anunciado hoje. Questionado sobre o futuro governo, Sher Mohammad Abbas Stanekzai, vice-chefe do gabinete político da milícia, disse à emissora britânica BBC que “pode não haver” mulheres ministras ou cargos de responsabilidade, e que as afegãs ocupariam somente cargos em escalões inferiores.

O jornalista, poeta e escritor Sayed Ali Mosawi Chakawak, morador de Cabul, defendeu a manifestação em Herat. “Elas são nossas mulheres. Nossas esposas, irmãs e filhas. O povo do Afeganistão está com elas, e nós as apoiaremos”, prometeu.
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