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China

Para analistas, protestos em Hong Kong chegaram a um ponto sem retorno

Publicado em: 19/08/2019 10:13

STR/AFP
Há quem diga que o modelo “Um país (China), dois sistemas (capitalista e comunista)” ruiu ou está próximo do colapso em Hong Kong. A ex-colônia britânica transformada em região semiautônoma da China continental e um dos maiores centros financeiros do planeta assiste a um levante popular que, segundo especialistas, atingiu um ponto sem retorno. Depois de ocuparem o aeroporto e forçarem uma ação violenta da polícia, centenas de milhares de manifestantes devem tomar as ruas da metrópole, no domingo (18), para nova demonstração de força. 

A 27km dali, na cidade chinesa de Shenzhen, blindados e tropas da China realizam manobras. A revolta que o Partido Comunista Chinês (PCC) teme se espalhar para o continente foi deflagrada pela decisão da chefe do Executivo de Hong Kong (HK), Carrie Lam, de propor projeto de lei que possibilitaria a extradição de cidadãos para Pequim. Apesar da suspensão do texto, o movimento não esmoreceu. Pelo contrário, expandiu as demandas: passou a exigir a renúncia de Lam, justiça, democracia e liberdades civis.

Para Antony Dapiran, advogado em Hong Kong e autor de City of Protest: A Recent History of Dissent in Hong Kong (“Cidade do protesto: Uma história recente de dissidência em Hong Kong”), os protestos têm semente na Revolução Guarda-Chuva, em 2014, a qual exigia que a população, e não Pequim, escolhesse o chefe do Executivo. “Aquelas manifestações terminaram sem resolução, e questões subjacentes — como a erosão das liberdades civis e demandas por mais democracia — foram forjadas sob a superfície nos últimos cinco anos. A Lei sobre Extradição foi o gatilho que fez com que o descontentamento emergisse”, explicou ao Correio. Ele não crê em uma intervenção militar de Pequim por entender que isso significaria o fim de Hong Kong como centro financeiro. “Seria um cenário economicamente desastroso para a China. As tropas na fronteira são um mero espetáculo, uma estratégia para tentar intimidar os manifestantes e voltada ao consumo doméstico na China.”

Dapiran não vê solução à vista para a crise, que coloca Hong Kong à beira da recessão. “Nem Hong Kong nem Pequim têm o desejo de abordar preocupações políticas subjacentes. O ciclo de protestos e de repressão deve continuar.” Também parece sintomático o fato de Carrie Lam ter sido deixada à margem pela China. “Porta-vozes de Pequim se tornaram mais ativos. Parece que o PCC busca tomar a dianteira para tentar pôr fim aos protestos e, depois, encontrar alguma solução diplomática à insatisfação em HK.”

Kong Tsung-gan, ativista em Hong Kong e autor de As long as there is resistance, there is hope (“Enquanto houver resistência, há esperança”), concorda com Dapiran e aponta que o PCC determinou que Carrie não faça concessões aos ativistas. “O Partido Comunista Chinês usa a polícia de Hong Kong como cão de guarda e ferramenta política, pois se recusa a lidar com uma crise de governança e está determinado a aplicar a força e a propagadanda”, disse à reportagem. A marcha de hoje é organizada pela Frente Civil de Direitos Humanos (CHRF), que chegou a atrair 1,5 milhão de pessoas às ruas. “Se a polícia proibir o protesto, isso será claro sinal de supressão do direito à liberdade de associação. Existe o medo real de que Hong Kong se torne Estado-polícia.”

Acordo
Pesquisador sobre política externa e de segurança da China na Universidade Macquarie (em Sydney, Austrália), Adam Ni aposta que a crise se agravará e considera improvável um acordo. “Ante a agitação crescente e a mudança da natureza dos protestos — da exigência de retirada da Lei sobre Extradição a um movimento em massa contra o governo, com ampla gama de demandas —, alcançamos um ponto crítico. É um caminho sem retorno. A instabilidade se tornou norma. O núcleo da crise está no descompasso entre a iniciativa de Pequim de apertar o controle sobre Hong Kong e o povo e a determinação de HK de resistir a uma maior invasão de Pequim ao seu estilo de vida.”

Adam mostra ceticismo sobre uma invasão a Hong Kong. “Há várias razões pelas quais seria estúpido para Pequim intervir em Hong Kong. O 70º aniversário da República Popular da China (1º de outubro) se aproxima. O presidente Xi Jinping quer marcar a data com um banho de sangue? O PCC quer mergulhar na questão de HK, apesar de desafios externos e internos complexos, como a guerra comercial com os EUA? Creio que não.”
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