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Trump utiliza o racismo como arma eleitoral, avaliam especialistas

Publicado em: 31/07/2019 07:36 | Atualizado em: 31/07/2019 09:04

ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP
Faltam 462 dias para as eleições norte-americanas, e uma face sombria do presidente Donald Trump começa a se destacar. “Eu sou a pessoa menos racista do mundo”, gabou-se o republicano, antes de embarcar rumo a Jamestown, na Virgínia, onde participou de ato alusivo ao 400º aniversário da primeira legislatura instituída pelos colonizadores ingleses nos Estados Unidos, a chamada democracia representativa. A visita foi considerada como uma declaração aberta de racismo pelos deputados estaduais, que boicotaram o evento e divulgaram um comunicado à imprensa. “É impossível ignorar o emblema do ódio e o desdém que o presidente representa”, afirma a nota, que denuncia “os repetidos ataques de Trump aos legisladores negros e os comentários sobre as comunidades negras”. Para especialistas consultados pelo Correio, o racismo do presidente segue uma estratégia eleitoral bem definida, que busca seduzir a base mais radical do Partido Republicano e pavimentar caminho para mais quatro anos na Casa Branca. “Não tenho estratégia. Tenho zero estratégia”, disse Trump a jornalistas. 

A ofensiva republicana do presidente teve como alvos iniciais quatro deputadas democratas de ascendência estrangeira — a somali-americana Ilhan Omar, a afroamericana Ayanna Pressley, a filha de palestinos Rashida Tlaib e a descendente de porto-riquenhos Alexandria Ocasio Cortez. 

No último sábado, o magnata escolheu duas novas miras: o reverendo e ativista Al Sharpton e o deputado Elijah Cummings, ambos representantes influentes da comunidade negra. “Eu conheço Al (Sharpton) há 35 anos. Saí em brigas com ele e com Don King (produtor e empresário do boxe), e sempre me saí bem. Ele amava Trump! Sempre me pedia favores. Al é um golpista, um agitador. (…) Ele odeia brancos e tiras!”, escreveu no Twitter. No mesmo dia, voltou-se contra Cummings, ao afirmar que o distrito de Baltimore, representado pelo congressista e cuja maioria da população se compõe de negros, é “uma bagunça repugnante infestada de ratos”.

Antecedente
Fundador do Instituto Martin Luther King Jr., da Universidade de Stanford (Califórnia), Clayborne Carson disse à reportagem que conhece pessoalmente Sharpton. “Não conheço o deputado Cummings, nem Trump, mas creio que ele explora e incita sentimentos racistas e medos raciais de muitos americanos brancos, a fim de mobilizar sua base de apoio político”, explicou. De acordo com ele, essa manobra não é nova na política norte-americana. “Durante a década de 1960, o presidente Richard Nixon usou sua ‘estratégia sulista’ para convencer milhões de brancos do sul a abandonarem o Partido Democrata e a se unirem aos republicanos. Por causa dessa mudança de lealdade, a eleição esmagadora de Lyndon Johnson, em 1964, representou a última vez em que a maior parte dos americanos brancos apoiou o candidato do Partido Democrata. Esta é a realidade fundamental da política moderna dos EUA.”

Para Ruth Ben-Ghiat, historiadora da Universidade de Nova York e especialista em fascismo e em líderes autoritários, Trump e o Partido Republicano “estão casados com o racismo como uma estratégia de campanha”. “Isso também é importante para católicos, para os cristãos evangélicos e para ideólogos que acreditam que o presidente defende a civilização ocidental — argumento que os direitistas usam também na Hungria e no Brasil — contra uma crise demográfica conhecida como ‘o escurecimento da América’”, disse. Ela acredita ser difícil que os democratas reajam contra Trump e os republicanos quando a própria oposição aceita o racismo como realidade do partido. “Além de denunciarem a atitude racista de Trump, os democratas deveriam se focar em como ele é corrupto e enfraquece os Estados Unidos.”  Ben-Ghiat sustenta que a base eleitoral do magnata republicano permanecerá inalterada. “O fato da manipulação eleitoral e a recusa republicana em proteger-se contra a interferência russa em 2020, o que considero uma traição, significa que o candidato democrata precisará vencer por uma margem enorme de votos.”

Durante a visita a Jamestown (Virgínia), nesta terça-feira (30/7), Trump disse que a chegada dos primeiros escravos transformou a cidade em bastião não apenas da liberdade, mas da escravidão em massa. “Lembramos de todas as almas sagradas que sofreram os horrores da escravidão”, declarou o mandatário, referindo-se a um “bárbaro comércio de vidas humanas”. O deputado estadual democrata Ibraheem Samirah protestou com um cartaz enquanto o presidente discursava. “Volte para a sua terra corrompida, deporte o ódio”, afirmava a peça.

Gangorras na fronteira, símbolos de união dos povos
Dois professores da Califórnia instalaram gangorras na fronteira dos Estados Unidos com o México, em uma resposta contundente ao presidente Donald Trump sobre seus planos de construir um muro ao longo dos 3,2 mil quilômetros que traçam os limites entre os dois países. As três gangorras de cor rosa foram montadas, anteontem, em uma grade que separa Sunland Park, no Novo México, e Ciudad Juárez, no México, permitindo que crianças e adultos de ambos os lados brinquem juntos. A ideia foi desenvolvida durante uma década, segundo Ronald Rael, professor de arquitetura na Universidade de Berkeley (Califórnia), que desenvolveu o projeto em parceria com Virgina San Fratello, professora de design da Universidade de San José. Rael disse que ver o projeto ganhar vida foi “uma das experiências mais incríveis” que já viveram e descreveu o evento na fronteira como “cheio de alegria, emoção e união”. O vídeo e as imagens das gangorras estiveram entre os assuntos mais comentados nas redes sociais.

Pontos de vista 
Por Ruth Ben-Ghiat

Ferramenta de distração
“Trump constrói o seu capital político fora do racismo. Ele não se importa se as pessoas pensam que ele é racista. De fato, sempre apela à sua base de eleitores fiéis com esse tema. No entanto, o presidente é um mestre da arte de distração, ao usar o racismo para desviar a atenção da mídia e da opinião pública de sua corrupção. O ataque racista ao distrito de maioria negra do deputado Elijah Cummingscomo ‘infestado’ foi motivado pela raiva contra o congressista, líder do Comitê de Supervisão da Câmara, por vasculhar os e-mails de Ivanka e de Jared Kushner, filha e genro de Trump, e descobrir os planos para vender tecnologia nuclear à Arábia Saudita. Com Trump, siga sempre as implicações do dinheiro, do poder e do ódio.”, historiadora da Universidade de Nova York e especialista em fascismo.

Manobra de alto risco
Por John Zogby
“Quando o comparecimento dos afroamericanos às urnas é alto, os democratas costumam vencer as eleições. Os negros geralmente apoiam os democratas na base de nove para um. A estratégia arriscada de Trump indica que mais negros sairão para votar. Os democratas precisarão ter certeza de que seu próprio candidato seja digno, não apenas anti-Trump. Os republicanos em geral nunca se dão bem com os eleitores afroamericanos em âmbito nacional. Trump traça uma linha com a sua base eleitoral e diz a ela que será ‘politicamente correto’ e que entende o temor dos brancos em relação aos negros. Isso é realmente racista, pois permite o racismo dos outros.”, consultor eleitoral, pesquisador e fundador da John Zogby Strategies.
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