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ETA anuncia dissolução e encerra atividade política

Fundado em 1959 sob a ditadura de Francisco Franco, o grupo deixou um rastro de violência, com pelo menos 829 mortos ao longo de quatro décadas

Por: AFP

Publicado em: 03/05/2018 20:07

Foto: AFP / ANDER GILLENEA
A organização separatista basca ETA anunciou oficialmente nesta quinta-feira (3) sua dissolução e o fim de "toda a atividade política", encerrando a última insurreição armada da Europa ocidental após décadas de violência que deixaram mais de 800 mortos.

"A ETA quer informar ao povo basco sobre o fim de sua trajetória", diz a "declaração final", lida pelo líder veterano do grupo Josu Ternera, foragido desde 2002 e suspeito de um atentado que deixou 11 mortos em 1987.

O documento, também lido na Fundação Henri Dunant de Genebra, assegura que a organização "desmantelou totalmente o conjunto de suas estruturas" e "dá por encerrada toda sua atividade política", completa o texto, com data de 3 de maio e assinado com o símbolo do grupo, uma serpente enroscada em um machado.

No entanto, adverte que seus ex-membros "continuarão com a luta" pela independência do País Basco e Navarra, "cada qual onde considerar mais oportuno".

Madri já advertiu que a organização não deve esperar impunidade.

"Faça o que fizer, o ETA não vai encontrar nenhum resquício para a impunidade de seus crimes", afirmou o chefe de Governo conservador Mariano Rajoy, que rejeitou qualquer diálogo com o grupo desde que chegou ao poder em 2011.

"Não conseguiu nada quando deixou de matar porque sua capacidade operacional foi liquidada pelas forças de segurança e tampouco vai conseguir nada agora com novas operações de propaganda", completou Rajoy, em um evento em Logroño (norte), perto do País Basco.

Fundado em 1959 sob a ditadura de Francisco Franco, acusado de reprimir a cultura basca, o ETA deixou um rastro de violência, com pelo menos 829 mortos ao longo de quatro décadas em sua campanha pela independência do País Basco e Navarra.

Considerado um grupo terrorista pela União Europeia, o ETA matou - em atentados a bomba, ou tiros - políticos, policiais, militares, juristas e civis. O grupo também recorreu a sequestros e extorsões.

Afetada pelas sucessivas operações policiais e ante o repúdio generalizado da população, a organização acabou renunciando à violência em 2011. No ano passado, anunciou ter entregue suas armas às autoridades francesas.

O anúncio da dissolução será seguido por uma "conferência internacional" na sexta-feira no País Basco francês, onde são esperados Gerry Adams e representantes de partidos espanhóis, mas onde não estarão presentes nem o governo espanhol nem o francês.

Crimes em aberto

Organizações de vítimas continuam exigindo que o ETA assuma suas responsabilidades criminais e ajude a esclarecer 358 assassinados não elucidados.

"Este não é o final que queríamos (...) Devia ter sido diferente", afirmou Consuelo Ordóñez, presidente do Coletivo de Vítimas do Terrorismo Covite e irmã de um político basco conservador assassinado em 1995, em um evento na quarta-feira em San Sebastián (norte).

"O desaparecimento do ETA (...) não reduz nem um pingo a responsabilidade de seus membros em colaborar na investigação e no esclarecimento dos assassinatos cometidos, assim como de extorsões, ameaças ou coações a amplos setores da população", destacou em um comunicado o direto da Anistia Internacional na Espanha, Esteban Beltrán.

É que o combate se concentra agora no relato: enquanto alguns separatistas defendem que o ocorrido foi uma luta entre insurgentes e opressores do povo basco, as vítimas e os historiadores lembram que o ETA continuou cometendo atentados, inclusive com mais virulência, após a morte do ditador em 1975 (ao menos 786 pessoas).

Neste sentido, o presidente regional basco, o nacionalista Íñigo Urkullu, manifestou a "determinação de trabalhar juntos por um futuro de convivência normalizada, uma convivência com memória, assentada no compromisso ético (...) e nos direitos de todas as pessoas".

O futuro dos presos

Em nível político, a grande pergunta é o que vai acontecer com o separatismo basco, que tem sua expressão na coalizão Bildu, segunda força do Parlamento regional, com 21% de votos nas eleições de 2016.

Horas depois do anúncio do ETA, a formação se comprometeu, nas palavras de seu líder, Arnaldo Otegi, a prosseguir a luta política pela separação. "Continuamos sendo um povo que ainda não conhece nem a paz, nem a liberdade. Não cessaremos de buscá-las até alcançá-las, com nosso trabalho e nossa atividade diária", declarou.

Bildu e o partido nacionalista no poder, o PNV, reivindicam por outro lado que os cerca de 300 presos do ETA que cumprem pena na Espanha e na França sejam aproximados a seus familiares.

Madri negou qualquer contrapartida à dissolução do ETA, embora Urkullu tenha informado na quarta-feira ao jornal El País que seria "sensível" a uma mudança na política penitenciária.

Durante os anos do ETA, o Estado espanhol também fez sua "guerra suja" e pelo menos 62 pessoas do entorno separatista morreram nas mãos de milícias e grupos de ultradireita, segundo o relatório Foronda, da Universidade do País Basco. Além disso, há mais de 4.100 denúncias de supostas torturas policiais entre 1960 e 2014, segundo outro estudo do governo basco.

Estas vítimas pedem reconhecimento.

"Se você não reconhece uma parte do sofrimento, é muito difícil criar uma convivência e a reconciliação. É muito difícil quando há feridas abertas", diz Ane Muguruza, de 28 anos.

Seu pai, Josu, deputado regional do Herri Batasuna, braço político do ETA, foi assassinado em 1989 por ultradireitistas que, segundo ela, tinham o apoio do Estado espanhol.

Atualmente, de 85 a cem membros do ETA continuam foragidos, segundo o Foro Social, organização próxima às famílias dos presos.
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