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Reino Unido declara guerra à solidão

Theresa May cria secretaria de Estado para combater estigma social que afeta mais de 220 mil idosos

Publicado em: 19/01/2018 07:55

Arte: Silvino/Arte DP
Enquanto o Brasil amarga as consequências de uma crise política que parece não ter fim, os ditos países desenvolvidos apertam o passo para, diminuindo a distância que separa o Estado do cidadão, proporcionar melhor qualidade de vida enquanto garantem com isso mais economia aos cofres públicos. A fórmula é até muito simples: se as pessoas importam, os problemas delas devem ser levados em conta e, para ajudar a resolvê-los, o governo precisa fazer investimentos em políticas de amplo alcance social, de modo que o nível da assistência concorra para que adoeçam menos e deixem de representar gastos significativos com a saúde pública. No Reino Unido, por exemplo, a impressão que se tem é que a primeira ministra Theresa May não aparenta grandes dificuldades em seguir por este caminho, tanto que acaba de nomear como secretária de Estado para a Solidão a deputada conservadora Tracey Crouch, 42 anos. Isto em um Brasil que não se incomoda nem mesmo com atendimento básico à saúde e cuja população não sabe ao menos a diferença entre solidão e solitude, parece piada.Mas está longe de ser, o que explica o abismo cada vez mais profundo entre o lado cima e o de baixo da Linha do Equador.

Vamos primeiro ao que disse sobre os dois termos o pensador e teólogo alemão Paul Tillich em seu livro The eternal now (O eterno agora): “A linguagem criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho”. Ou seja, solidão é um isolamento que não se deseja e nasce de profundo desgaste ou de uma ruptura com os vínculos sociais/ familiares. Segundo relatório no qual se baseou o governo do Reino Unido para criar a secretaria entregue a Crouch, ela desencadeia problemas cardiovasculares e doenças como demência, depressão e ansiedade. Só para ilustrar o tamanho do prejuízo, equivaleria ao dano causado a quem fuma 15 cigarros por dia. Ainda de acordo com o relatório, cerca de 200 mil idosos por lá estariam sem contato com um parente ou amigo há mais de um mês. Como observam políticos ligados ao assunto, o quadro, nas últimas décadas, evoluiu de desgraça pessoal para epidemia social, o que por si só já justificaria a decisão da primeira ministra, independentemente de se levar em conta a questão econômica. 
 
Tendo um olho enxergando o combate à solidão como enorme benefício aos habitantes afetados por ela e o outro, como negócio, o governo acredita haver tomado uma medida e tanto. Estudo recente da instituição London School of Economics mostra que os cofres públicos arcam com custo extra de 6 mil libras (quase R$ 27 mil) a cada período de dez anos de solidão vivido por uma pessoa idosa, além da pressão exercida sobre os serviços públicos locais. Cada euro investido na prevenção – garante o estudo – daria um retorno de três outros à economia. Excelente negócio. Tanto assim que May lançou apelo geral, ao declarar o governo incapaz de resolver o problema sozinho. Conclamou, para uma “ação coordenada” contra a solidão, todos os “empregadores, as empresas, as organizações da sociedade civil, as famílias, as comunidades e os indivíduos, que têm um papel a desempenhar”.

Mas, de volta ao conceito de Paul Tillich, os que vivem no Reino Unido em estado de solitude devem estar olhando para o esforço do governo com a consciência de que nunca necessitarão ser alvo de política semelhante, porque, ao contrário dos socorridos, escolheram estar sós por gostar de silêncio e liberdade, mantêm o isolamento em equilíbrio com a vida social e adoram a própria companhia.
 Naturalmente, aproveitam como querem o tempo consigo para fazer tudo o que gostam – ou nada – sem carecer enfrentar as desgastantes negociações que a vida a dois (ou a mais de dois) exige. Solidão? Que nada.
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