Coreia do Norte Edifício 'fantasma' de 105 andares se destaca em paisagem norte-coreana No horizonte de Pyongyang, ergue-se o inacabado Hotel Ryugyong, uma tentativa do regime norte-coreano de mostrar modernidade, mas que se tornou símbolo da decadência do bloco soviético

Por: Renato Alves -

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 26/09/2017 11:19 Atualizado em: 26/09/2017 11:47

Renato Alves/CB/D.A Press (Renato Alves/CB/D.A Press)
Renato Alves/CB/D.A Press
 

Pyongyang – Impossível não vê-lo. Ele é onipresente no horizonte de Pyongyang. A maior edificação da cidade, com seus 330m de altura. Para desespero das autoridades nacionais. Pensado como símbolo da modernidade de um país comunista em ascensão, ele se tornou símbolo da decadência do bloco soviético e do desperdício de dinheiro público de um regime megalomaníaco.

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A vitrine norte-coreana

No centro da capital da Coreia do Norte, o Hotel Ryugyong é um arranha-céu inacabado de 105 andares em forma de pirâmide, batizado com um dos nomes históricos de Pyongyang: Capital dos Salgueiros. Entre os locais, o edifício é conhecido como Construção 105, mas os norte-coreanos não gostam de falar do hotel. É um tabu. Perguntei ao meu intérprete sobre o edifício. “Ele ainda não está pronto”, limitou-se a responder. Pedi para visitá-lo. Recebi um seco “não”. Em meus 10 dias na cidade, nunca passei nas ruas próximas do prédio. O motorista do carro que o governo havia colocado para me transportar, mediante pagamento de aluguel, dava voltas imensas para evitar a obra abandonada.

Rivalidade

Planejada como uma edificação de uso misto, que incluiria um hotel, a construção começou em 1987, em resposta à conclusão do então hotel mais alto do mundo, o Swissôtel The Stamford, em Singapura, inaugurado em 1986 pela companhia sul-coreana SsangYong Group, com 226m. O plano era inaugurar o Ryugyong em junho de 1989, para o 13º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes. Os líderes norte-coreanos criaram uma empresa estatal, a Hotel Ryugyong Investimento e Gestão, para atrair US$ 230 milhões em investimento estrangeiro.

O governo prometeu uma supervisão relaxada, para que “os investidores estrangeiros operassem cassinos, boates ou lounges japoneses”. O projeto previa três “asas”, cada qual com um “espinho” de 100m de altura, que formavam um contorno triangular e pontiagudo. Sobre seu eixo central, surgiria um cone de 40m, onde seriam instalados sete restaurantes de alta gastronomia, com vista panorâmica para Pyongyang.

Interrupções

A construção ficou a cargo da empresa norte-coreana Arquitetos e Engenheiros da Montanha Baekdu. O hotel foi inserido em mapas de Pyongyang antes mesmo do início da sua construção. O 13º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes ocorreu, reunindo mais de 22 mil jovens de 177 países para defender a “solidariedade contra o imperialismo”. Para os oito dias de atividades políticas e esportivas, a Coreia do Norte concluiu o estádio Primeiro de Maio Rungrado, ainda o maior do mundo, com capacidade para 150 mil pessoas. Mas o Hotel Ryugyong não ficou pronto. Desde então, a obra sofreu diversas interrupções. E continua inconclusa, parada. Ela já consumiu US$ 750 milhões (ou 2% do PIB anual do país).

A primeira paralisação ocorreu em 1992, quando a Coreia do Norte entrou em um período de grave crise econômica após a dissolução da União Soviética. À época, o prédio tinha a estrutura completa, mas sem janelas ou acessórios interiores, como um esqueleto de concreto. No fim dos anos 1990, peritos da Câmara de Comércio da União Europeia na Coreia do Sul analisaram a estrutura e concluíram que a obra era inviável. O cimento empregado pela empreiteira do regime era de baixa qualidade e foram identificadas graves falhas estruturais. Havia fortes indícios de que o prédio era torto. Os poços dos elevadores estavam desalinhados.

Apagado

O Ryugyong voltou a ser construído em 2008, por ordem do líder Kim Jong-Il. Ele firmou um contrato de US$ 400 milhões com a empresa egípcia Orascom Group. Em troca, os egípcios construiriam e operariam uma rede de telefonia móvel 3G na Coreia do Norte. O regime anunciou a inauguração do hotel para 2012, centenário do nascimento do “Presidente Eterno da República”, Kim Il-sung (1912-1994), pai de Kim Jong-Il.
Em 2009, porém, o chefe de Operações da Orascom, Khaled Bichara, alegou que havia observado que havia “muitos problemas estruturais” para serem resolvidos no prédio. O governo norte-coreano ainda concluiu o exterior do arranha-céu, em julho de 2011, com painéis de vidro e antenas de telecomunicações. Mas o Estado, que antes enaltecia a construção, passou a escondê-la das peças publicitárias, apagando o hotel das fotografias. Em 2012, o governo divulgou fotografias do interior do Ryugyong. Elas mostravam um edifício fantasma, com vãos completamente vazios. A razão da iniciativa seria revelada em novembro de 2012, quando o operador de hotel internacional Kempinski anunciou que administraria o Ryugyong, com abertura parcial em meados de 2013. Mais uma vez, porém, os planos foram suspensos, dessa vez em março de 2013.

A Kempinski alegou que havia feito apenas “discussões iniciais”, mas que nenhum acordo havia sido assinado, porque a entrada no mercado não era, naquele momento, possível. Especialistas em política internacional sugeriram que as tensões relacionadas ao teste nuclear norte-coreano de 2013, os riscos econômicos e os atrasos na construção influenciaram o recuo da operadora de hotéis.

Trinta anos após o início da sua construção, a fachada do Ryugyong está completa, com as janelas instaladas. Por dentro, continua sem móveis, tampouco acabamento ou hóspedes. Caso tivesse ficado pronto em 1989, teria perdido o posto de maior hotel do mundo em 1992. Hoje, é apenas o 47º mais alto e tem o quinto maior número de aposentos. São 3 mil quartos. Mas sem um único ocupante.