Antes e depois A herança deixada pela União Soviética no mundo socialista Após diversos conflitos separatistas, a maioria das ex-repúblicas ainda enfrenta problemas econômicos

Por: Mike Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 20/01/2017 11:00 Atualizado em: 20/01/2017 14:27



O desmembramento da URSS em 1991 não deixou apenas o povo soviético em turbulência. Sérios problemas se fizeram presentes tanto nas ex-repúblicas da URSS quanto, principalmente, em Cuba, na China e na Coreia do Norte, além de outros países que viviam sob as asas da superpotência socialista.


Para a professora Annamaria Fonseca, do Departamento de História da UFPE,  os países que saíram do Bloco Soviético ainda passam por grandes dificuldades. "Não porque se desligaram, mas porque já passavam por enormes problemas anteriormente”, explica. Algumas das repúblicas, entretanto, apresentam situações de certa prosperidade econômica, como lembra o professor Heitor Rocha, do Departamento de Comunicação Social da UFPE, principalmente por causa das riquezas naturais abundantes.

Em dois mandatos, Putin já soma 14 anos à frente da Rússia. Foto: AFP Photo/Arquivo
Em dois mandatos, Putin já soma 14 anos à frente da Rússia. Foto: AFP Photo/Arquivo

Rússia
A principal das ex-repúblicas soviéticas enfrentou turbulências fortíssimas após o fim da superpotência. Enfrentou guerras civis, movimentos separatistas (os conflitos com os chechenos ainda permanecem Atualmente governada por Vladimir Putin, que se encontra em seu terceiro mandato de seis anos, o país se estabilizou após a crise dos anos 1990 e participa do Brics, bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – todos emergentes. A presidência do país, sob os mandatos de Vladimir Putin (1999-2008/2012-atualmente), desfruta de enorme popularidade entre a sociedade, ainda que a corrupção seja um problema que assole o país. A Rússia ocupa a 119ª posição entre 168 países no ranking do Índice de Percepção de Corrupção de 2015, sendo uma das esferas públicas mais corruptas do planeta.

Repúblicas bálticas
Formado pela Estônia, Lituânia e Letônia. Os três países ainda têm uma certa dependência da Rússia - principalmente a Lituânia, que destina ao vizinho gigante 18% de suas importações. A Letônia, tradicionalmente, sempre teve mais poderio industrial que seus países-irmãos.

Fronteira com a União Europeia
A Ucrânia vive em clima de instabilidade política. Em 2014, o presidente Petro Porochenko ordenou um uma resposta militar aos separatistas pró-russos na região leste do país. O mundo ocidental passou a acusar Putin de tentar desestabilizar o governo ucraniano e de anexar a Crimeia arbitrariamente. Ao menos dois milhões e meio de pessoas abandonaram seus lares por causa do conflito, ainda em andamento.

A Belarus, antiga Bielorrússia ("Rússia Branca"), é governada desde 1994 por Aleksandr Lukashenko. Ex-membro do Partido Comunista da URSS, Lukashenko é tido como o "último ditador da Europa". Ele mantém um sistema econômico estatal a mão de ferro, fazendo com que as organizações privadas quase inexistam. Já a Moldova, antiga Moldávia, é o país mais pobre de toda a Europa.

A "Porta do Inferno", cratera em um campo de gás natural que é atração turística no Turcomenistão. Foto: Wikimedia
A "Porta do Inferno", cratera em um campo de gás natural que é atração turística no Turcomenistão. Foto: Wikimedia

Repúblicas "-istão"
O Cazaquistão é o país mais próspero dentre as repúblicas cujos nomes acabam em "-istão" (sufixo que significa "terra", no idioma persa) e integravam a União Soviética. O país já alcançou crescimento econômico, estabilidade política e influência regional na Ásia Central. Matéria da Agência Brasil mostra que, para o futuro, os cazaques buscam ampliar seu poder de decisão no cenário mundial.

O Uzbequistão ainda tem questões pendentes em relações às fronteiras e o Quirguistão enfrenta conflitos étnicos, problemas econômicos e revoltas populares. Já o Turcomenistão tem potencial turístico, boa parte em razão da "Porta do Inferno", um campo de gás natural com a aparência de uma cratera em chamas. Lá, os cidadãos têm direito a luz, gás natural e água gratuitos, garantidos pelo governo até o ano de 2030. O Tajiquistão foi tomado pela guerrilha civil, que só foi encerrada em 1999, com a realização de novas eleições. Com uma população majoritariamente muçulmana, o Azerbaijão  é considerado um país relativamente próspero, com baixo nível de desemprego. Entretanto, o governo é assolado por denúncias de corrupção.

Cáucaso
A República da Armênia não tem saída para o mar. Em termos de território, era a menor das repúblicas que proclamaram independência da União Soviética. Atualmente, é um país em dificuldades econômicas. A Geórgia, após o desmembramento da URSS, enfrentou uma sangrenta guerra civil, que durou até 1995. Mais recentemente, passou a encarar problemas com os separatistas das regiões da Abecásia e da Ossétia do Sul.

Países de fora da URSS

Cuba: posição estratégica
As relações da ilha caribenha com a União Soviética eram mais estratégicas do que de aliança. O triunfo da revolução cubana, em 1959, que levou Fidel Castro ao poder, significou para os russos ganhar um aliado no "quintal" dos Estados Unidos, seu inimigo durante a Guerra Fria. As relações entre Cuba e Rússia se fortaleceram após a fracassada invasão da Baía dos Porcos organizada pelos Estados Unidos em 1961. As Forças Armadas cubanas derrotaram a invasão e, em resposta, Fidel declarou a instauração do socialismo em Cuba.

Fidel Castro com o premiê da URSS, Nikita Kruschev, nos anos 60. Foto: AFP Photo/Arquivos
Fidel Castro com o premiê da URSS, Nikita Kruschev, nos anos 60. Foto: AFP Photo/Arquivos

Com o fim da União Soviética em 1991, as relações entre Moscou e Havana esfriaram, trazendo também o fim da ajuda financeira e provocando um grave crise econômica em Cuba. Entretanto, em 2014, Vladimir Putin anulou 90% da enorme dívida de Cuba com a ex-URSS (US$ 31 bilhões).

Alemanha: unificada?
Em 1989 o mais icônico símbolo da influência soviética na Europa ruiu: o muro físico que dividia o país em Oriental e Ocidental foi derrubado, mas os efeitos dele perduram até hoje. Os avanços orientais desde a queda são claros na expectativa de vida e na infraestrutura. Na parte econômica, contudo, o antigo lado socialista permanece distante da sua irmã Ocidental. Há dois anos, o governo alemão divulgou um estudo que mostra que o PIB da  área oriental é apenas de 67% da produção ocidental – a Alemanha tem a maior economia da Europa, com um PIB de US$ 3,840 trilhões.

China: rival pela liderança comunista
A ruptura de relações entre a União Soviética e a China data do fim dos anos 1950. Em 1955, Mao Tsé-Tung, líder socialista chinês, se recusou a integrar o Pacto de Varsóvia, uma versão da OTAN criada pela URSS e que contava com a participação de países do Leste Europeu.  O líder chinês desejava a liderança de seu país perante o mundo socialista e acusava a URSS de traição à causa comunista. Kruschev, que temia a realização de um conflito com os EUA, decidiu então romper relações com a China. A reaproximação só veio na década de 1980, já com Mikhail Gorbachev no comando soviético. Atualmente, China e Rússia mantêm relações amistosas de cooperação econômica e social.

Antiga Iugoslávia: uma panela de pressão étnica
Assim como houve a ruptura sino-soviética, as relações entre a antiga Iugoslávia e União Soviética também foram quebradas. Josef Stalin acusava os iugoslavos de deslealdade ao socialismo e à URSS,  de quem o país dos Bálcãs foi aliado durante a II Guerra Mundial. O historiador croata Ivo Banac, no livro "Stálin contra Tito: rupturas na Iugoslávia comunista" (Universidade de Cornell, 1988), relata que Tito, presidente do país entre 1953 e 1980, pretendia manter a Iugoslávia numa posição de neutralidade entre URSS e EUA, mas que desejava dos americanos uma ajuda no Plano Marshall – programa de recuperação dos países europeus pós-II Guerra – o que, de fato, aconteceu.

Encontro entre o então presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter e o líder iugoslavo Tito, em 1978. Foto: Karl H. Schumacher/White House Photo
Encontro entre o então presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter e o líder iugoslavo Tito, em 1978. Foto: Karl H. Schumacher/White House Photo

A crise do Socialismo trouxe caos ao país, gerando uma guerra civil sangrenta. Croácia, Eslovênia, Macedônia, Bósnia e Herzegovina proclamaram independência no início dos anos 1990. A guerra da Bósnia, conflito separatista mais sangrento do período, deixou mais de 250 mil mortos. Sérvia e Montenegro foram as repúblicas que sobraram no país. Em 2003, formaram uma só nação, mas três anos depois se separaram. Atualmente, somente Kosovo ainda não é considerada oficialmente uma nação soberana.

Agora separados, os países da antiga Iugoslávia tentam se reerguer, alguns com sucesso, outros com mais dificuldades. Em 2004, a Eslovênia entrou na União Europeia e tem hoje um crescimento anual de 4,2% do PIB. Montenegro tenta seguir os passos da Eslovênia e negocia entrar na UE.  A Croácia tem uma IDH alto, mas ainda lida com questões como a pobreza e o desemprego. A Bósnia e Herzegovina, ao lado da Macedônia, as repúblicas mais empobrecidas da Iugoslávia, ainda enfrentam os fantasmas da guerra, com uma agricultura ineficiente e a necessidade de importar bens alimentares básicos.