Rumo a um "terceiro turno"? Argentina de 2015 repete Brasil de 2014 Capas de um jornal argentino de hoje e de um brasileiro de um ano atrás sintetizam a semelhança

Por: Vandeck Santiago - Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/11/2015 14:20 Atualizado em: 24/11/2015 19:13

Impressionante as coincidências entre as eleições presidenciais da Argentina, encerradas ontem, com as do Brasil de um ano atrás. A começar pelas capas da edição de hoje do jornal diário argentino Página 12 com a do Diario de Pernambuco de 27 de outubro de 2014, dia seguinte à eleição do Brasil. As duas sintetizam o sentimento político do momento, após uma vitória que nos dois casos deu-se com a diferença de cerca de três pontos percentuais. No Diario de 27 de outubro do ano passado, a manchete foi "Uma presidente, dois Brasis". No Página 12 de hoje a manchete é "Un presidente, dos países" (creio até que o redator não grafou "duas argentinas" porque esta versão deixaria a linha muito grande para o espaço da capa).

As semelhanças não param aí; são também de percentuais e da radicalização do processo político. É como se Argentina de hoje fosse o Brasil de um ano atrás, com os sinais trocados - lá a oposição ganhou, após 12 anos de governo da mesma força, o kirchnerismo; aqui a vitoriosa foi a situação, após 12 anos no poder.

O presidente eleito da Argentina Maurício Macri ganhou com o percentual de 51,4%, no segundo turno. No Brasil, Dilma venceu também no segundo turno, praticamente com o mesmo percentual, 51,6%.

Uma região foi peça-chave na vitória de Macri, a província de Cordoba, onde ele obteve 71,5% dos votos. No Brasil, a região que teve este papel foi o Nordeste, em que Dilma ficou com 71,69% (vejam, novamente, a semelhança entre os percentuais).

No primeiro turno da eleição argentina, o terceiro colocado foi um dissidente do governo, Sérgio Massa, nome que fora de confiança do kirchnerismo (foi chefe de gabinete da própria Cristina Kirchner). No Brasil tivemos primeiro Eduardo Campos, que morreu em acidente aéreo em agosto de 2014 e foi substituido na campanha por Marina Silva - ambos ex-ministros do governo petista.

Massa, o dissidente, teve 21% dos votos no primeiro turno. Ao que tudo indica, a maioria dos seus votos foi para a oposição no segundo turno (no primeiro, o candidato governista, Dani Scioli, ficou em primeiro, com 38%, enquanto o agora eleito Mauricio Macri ficou em segundo, com  29%).

Ao final, o candidato da oposição conseguiu reunir em torno de sua candidatura todos que tinham uma meta principal em comum: tirar o kirchnerismo do poder (se a gente substituir "kirchnerismo" por "petismo", a frase caberia igualmente em relação às eleições do Brasil).

Assim como no Brasi.l, a tensão política na Argentina atingiu uma radicalização inédita nas últimas décadas, com acusações de parte a parte. A deputada Patricia Bullrich, da campanha oposicionista, disse à BBC que a "a estratégia deles [os kirchneristas] é a do confronto, entre os bons e os maus, entre os que chamam de defensores do povo e contra o povo".  Na reta final da campanha, em quatro discursos da presidente, no palácio presidencial, militantes entoaram o grito "Pátria ou Macri", uma alusão ao tradicional slogan revolucionário "Pátria ou Morte". Em atos públicos, manifestantes exibiam réplica de caixão, com as iniciais de Cristina (Fernández de) Kirchner e o "Descanse em paz" (em espanhol, Q.E.P.D, Que em paz descanse).

Nas redes sociais, assim como no Brasil, a disputa foi igualmente radicalizada. E continua ainda agora, no pós-eleição. É comum, em postagens de apoiadores do kirchnerismo, a afirmação de que "vão resistir".  Mauricio Macri toma posse como presidente em 10 de dezembro. Resta ver como será nas ruas e no parlamento a posição adotada pelos derrotados. No Brasil, desde a disputa de 2014, tem-se a impressão de que a eleição ainda não terminou.

Outra coincidência no processo político dos dois países verificou-se nas afirmações de personalidades conhecidas afirmando que iram morar no exterior se determinado candidato ganhasse as eleições. Aconteceu no Brasil em 2014 e na Argentina, agora em 2015. A diferença é que aqui eram os oposicionistas que diziam isso, contra Dilma (o destino mais citado era Miami); e lá eram os governistas, contra o candidato da oposição (e aí o destino era México e Uruguai).

A capa do Diario de 27 de outubro de 2014 acabou revelando-se profética, em relação aos desdobramentos da luta política. Acontecerá o mesmo com a capa do Página 12?



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