Tragédia Pai da criança símbolo da tragédia migratória conta os momentos de desespero na travessia do Mediterrâneo

Por: Rodrigo Craveiro - Especial para o EM

Publicado em: 04/09/2015 08:53 Atualizado em: 04/09/2015 08:57

Abdullah aguardando a liberação dos corpos dos filhos. Foto: Ozan Kose/ AFP
Abdullah aguardando a liberação dos corpos dos filhos. Foto: Ozan Kose/ AFP
Abdullah Kurdi, 36 anos, viu a guerra na Síria roubar-lhe a dignidade e, ironicamente, os sonhos de paz tirarem-lhe a família. Durante parte do dia de ontem, o homem que trazia o sofrimento estampado no rosto aguardava a liberação dos corpos da mulher, Rihan, e dos filhos, Aylan, 3, e Galip, 5, diante do necrotério de Mugla, na Turquia. Os planos de um futuro sem bombas e sem terror na Europa deram lugar à dor, ao luto e à lembrança traumática dos filhos e da esposa sendo varridos pelas águas do Mar Mediterrâneo. “Depois que nos afastamos uns 500 metros da costa, o bote começou a encher de água e nossos pés molharam. À medida que a água aumentava, o pânico crescia. Algumas pessoas se levantaram e o bote virou. Eu segurei a mão de minha mulher. As mãos de meus dois filhos escaparam das minhas. Tentamos ficar no bote, mas o fôlego diminuía. Todos gritavam na escuridão. Eu já não conseguia que minha mulher e meus filhos ouvissem minha voz”, contou ao jornal turco Hurriyet.

O pequeno corpo inerte de Aylan, com o rosto virado para a areia, tornou-se símbolo da maior tragédia migratória a assolar a Europa desde a Segunda Guerra Mundial. “Queremos a atenção do mundo sobre nós, para prevenir que isto ocorra com outros. Que esta seja a última vez”, clamou Abdullah.

O Correio Braziliense/Diario localizou no campo de refugiados de Heidelberg, na Alemanha, Mohamed Kurdi, 47, tio de Aylan e Galip. “Meu irmão, Abdullah, trabalhava como barbeiro, a fim de sustentar a família, em Kobane - cidade síria na fronteira com a Turquia. Certa vez, o Estado Islâmico o capturou, roubou todos os seus pertences, incluindo comida e carne. Eles o espancaram, trataram-no muito mal. Então, ele viajou para Bodrum, na Turquia, onde foi marinheiro”, relatou Mohamed, por telefone.

Destino da família era uma ilha grega


Nos últimos três anos, Abdullah fez o sacrifício de permanecer longe da família, tentando resgatar o que a guerra levou. “Mas a vida tornou-se complicada para ele. Já não havia mais emprego e os preços inflacionaram. Então, ele retornou a Kobane, buscou a família e permaneceram por mais um mês em Bodrum; depois, iriam à Alemanha”, explicou o irmão. “Eles tentavam chegar à ilha de Kos, na Grécia, em um bote inflável, com mais 14 pessoas. As ondas e as pedras viraram a embarcação”, acrescentou. De acordo com Mohammed, o irmão escolheu a Alemanha por entender que o país daria aos filhos uma vida pacífica e estável, além de educação de qualidade.
Em seu breve período de existência, Aylan não conheceu a trégua do conflito civil, que se estende por 4 anos e 5 meses. “A guerra destruiu tudo na Síria. As pessoas tentam escapar do conflito para terem um futuro melhor. E os países europeus são a única opção”, garante ele.

Ilegal
Também por telefone, Idris Nassan, vice-chanceler do governo autônomo de Kobane, confirmou ao Correio/Diario que a família de Abdullah era originária da cidade. “Por circunstâncias econômicas e por viver como ilegal na Turquia, ele e outros sírios decidiram se mudar para a Europa. Abdullah tenta trazer o corpo dos filhos e da mulher para ser enterrado em Kobane. Provavelmente, os caixões devem chegar até amanhã (hoje)”, afirmou.

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