Diario de Pernambuco
Busca
Relatório HRW: violações dos direitos humanos alimentam crises atuais

Publicado em: 29/01/2015 15:45 Atualizado em:

Os governos encaram cada vez mais a questão dos direitos humanos como 'um luxo ao qual não podem se dar', mas, muitos países, como os Estados Unidos, são, de fato, responsáveis por alimentar o surgimento de grupos como o Estado Islâmico ou crises como a da Ucrânia.

Esta é a conclusão do relatório anual da organização Human Rights Watch (HRW).

"As violações dos direitos humanos tiveram um papel importante em gerar ou agravar a maioria das atuais crises", afirmou Kenneth Roth, diretor da ONG ao apresentar o estudo.

Alguns governos denunciam violações aos direitos humanos, "mas muitos parecem ter concluído que as sérias ameaças contra a segurança devem ter prioridade em detrimento dos direitos humanos", afirma Roth no Relatório Mundial 2015 da HRW, de 660 páginas.

"Neste momento difícil, os direitos humanos parecem ter sido colocados de lado, como um luxo para tempos menos duros", acrescentou.

Para o diretor da HRW, na realidade "os direitos humanos são uma bússola essencial da política e colocá-los de lado não apenas é ruim, como também uma visão curta e contraproducente".

Da Síria ao Iraque, passando pelo México, Nigéria e Ucrânia, focos de desestabilização no último ano, "proteger os direitos humanos e permitir que as pessoas tenham uma voz sobre como seus governos conduzem as crises será fundamental para sua resolução", afirma o texto.

O surgimento do grupo radical Estado Islâmico (EI) foi alimentado em parte pela invasão americana ao Iraque em 2003, que conduziu a um vazio de segurança na região, assim como aos conhecidos abusos na prisão de Abu Graib e no centro de detenção americano de Guantánamo.

Estados Unidos e Reino Unido "em grande parte fecharam seus olhos" ante as políticas sectárias do primeiro-ministro xiita do Iraque, Nuri al Maliki, sua perseguição às minorias sunitas, incluindo prisões arbitrárias e execuções extrajudiciais, enquanto continuavam proporcionando armas a seu governo.

Na Síria, os Estados Unidos armaram uma coalizão de 60 países para combater o Estado Islâmico, mas ninguém pressionou o presidente sírio Bashar al-Assad para "deter o massacre de civis".

"Esta preocupação seletiva foi um presente para os recrutadores do EI, que veem a si mesmos como os únicos dispostos e capazes de enfrentar as atrocidades de Assad", afirmou Roth.

De maneira similar, no Egito a resposta global à "repressão sem precedentes" do presidente Abdel Fattah al-Sissi foi "vergonhosamente inadequada".

 

Bem x Mal

 

Washington negou-se a denunciar como um golpe de Estado a saída, apoiada pelos militares, do presidente eleito Mohamed Mursi, do movimento islamita, e apoiou Sissi, enviando uma "horrenda mensagem para a região", segundo a HRW.

"O EI pode dizer que a violência é o único caminho para o poder para os islamitas porque quando estes buscaram o poder através de eleições justas, venceram, mas foram depostos com pouco protesto internacional", afirmou Roth.

Por outro lado, a HRW ressaltou na introdução do relatório a situação do México, onde o governo do presidente Enrique Peña Nieto "não adotou os passos significativos para limitar a corrupção e impunidade" que alimentam a violência na luta contra os carteis do narcotráfico.

E o governo do presidente Barack Obama "preferiu ficar calado ante os terríveis abusos das forças de segurança", segundo a organização.

As violações dos direitos humanos na Rússia, que motivaram as críticas dentro do país nos últimos dois anos, e a "relativamente limitada reação" do Ocidente também agravaram a crise na Ucrânia, segundo a HRW.

Além disso, os países ocidentais caíram "em uma mentalidade do tipo 'Bem x Mal'" e, em seu desejo de mostrar a Ucrânia como uma vítima da agressão russa, são reticentes em mencionar "os abusos ucranianos".


Era digital e Olimpíadas

A necessidade de segurança na era digital também preocupa a Human Rights Watch, diante dos casos de vigilância governamental com a coleta de toneladas de dados de milhões de pessoas.

"Os governos em todas as partes estão expandindo sua capacidade de vigilância em massa", afirmou a analista de internet da HRW, Cynthia Wong.

Os Estados Unidos e o Reino Unido são os líderes nessa área, "descartando qualquer noção de proporcionalidade", acrescentou.

Com poucas proteções da privacidade garantidas, "um verdadeiro cenário orwelliano poderá desenvolver-se", advertiu ainda.

Os eventos esportivos gigantescos, como as Olimpíadas, também preocupam a HRW, depois dos ataques de Moscou contra jornalistas e ativistas durante os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi.

O fato de que apenas o Cazaquistão e a China - ambos denunciados por violações aos direitos humanos - sejam os candidatos para as Olimpíadas de 2022 "deveria tirar o sono do Comitê Olímpico Internacional", concluiu a HRW.