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Liminar vergonhosa

Publicado em: 01/03/2024 08:17 | Atualizado em: 01/03/2024 08:38

 (Foto: Divulgação/STJD)
Foto: Divulgação/STJD

 
Dentre as peculiaridades brasileiras, encontra-se um ''tribunal'' que não é órgão integrante do Poder Judiciário, cujos julgadores não são magistrados mas, sim, ''auditores'', sendo investidos nos cargos sem concurso público, muitos dos quais filhos ou parentes de importantes figuras do mundo jurídico (o atual presidente, José Perdiz de Jesus, é filho do ex-ministro do STJ, José de Jesus Filho, tendo sucedido Otávio Noronha, filho do ministro do STJ, João Otávio Noronha, compondo os seus quadros Eduardo Affonso Mello, filho do ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello, primo do ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello, dentre outros ''fidalgos'').
 
O órgão acima referido atende pelo pomposo nome de SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA DO FUTEBOL- STJD, tendo sido criado pela Lei n. 6.915/1998, apresentando composição de 09 (nove) membros, ''indicados'' pela CBF (2), pelos clubes (2), pela OAB (2), pelos árbitros (1) e pelos atletas (2), competindo-lhe a organização, funcionamento e atribuições da justiça desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas (artigo 50 daquela Lei).
 
Suas decisões SOMENTE obrigam as entidades nacionais e regionais de administração do desporto, as ligas nacionais e regionais, as entidades de prática desportiva, filiadas ou não às entidades de administração mencionadas nos incisos anteriores, os atletas, profissionais e não-profissionais, os árbitros, assistentes e demais membros de equipe de arbitragem e, finalmente, as pessoas naturais que exerçam quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, em entidades como, entre outros, dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica (CBJD, art. 1º, §1º).
 
É notório, portanto, que o TORCEDOR, definido como ''toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva no País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva'' (art. 2º, Estatuto do Torcedor – Lei n. 10.671/2003), NÃO SE SUJEITA às determinações do referido tribunal, que não tem competência para lhe aplicar qualquer punição ou para lhe impor determinações, sejam quais forem.
 
Em que pese a constatação acima, o atual presidente daquela Casa, José Perdiz de Jesus, resolveu praticar ato manifestamente discriminatório em face de uma comunidade indeterminada, por ele nominada de ''torcida do Sport Recife'', ao simplesmente proibi-la de adentrar nos estádios de futebol quando tal agremiação figurar como ''mandante'', impedindo-a, ademais, de contribuir às finanças desta com a compra ingressos, inclusive quando atuar na condição de ''visitante'', assim procedendo com o nefasto e irresponsável propósito de, pela via transversa, impingir a aquele Clube dupla punição, dado que, além de atuar sem a sua torcida, deixará de auferir a renda oriunda das bilheterias, bares, serviços, etc., sufocando-o financeiramente, quiçá levando-o à quebra, assim se tendo expressado, verbis:
 
''Ante ao exposto, DEFIRO o pedido da Procuradoria para determinar que o Sport Club Recife jogue em todas as competições organizadas pela CBF como Copa do Nordeste e Copa do Brasil (em todas as categorias) com portões fechados, sem torcida quando for mandante e na condição de visitante também ficará sem o direito a ingressos para seus torcedores até que o STJD julgue a denúncia por uma de suas Comissões Disciplinares.''
 
A exótica, arbitrária, ilegal e absurda ordem acima resumida, datada de 23/02/2024, foi deferida nos autos de uma medida cautelar inominada, requerida pela procuradoria daquele singular ''tribunal de justiça'', decorrente do verdadeiro atentado terrorista do qual foi vítima a delegação do Fortaleza Esporte Clube, ocorrido na madrugada do dia 22 anterior, atribuído pela referida ''autoridade'' a ''torcedores do Sport Recife'' (sic) e que teve lugar a, aproximadamente, 8 quilômetros da praça onde se realizou a partida envolvendo aquelas duas tradicionais agremiações nordestinas.
 
O próprio procurador do STJD, subscritor do pedido, sr. Ricardo Piacente, ocupou as redes sociais e a imprensa em geral, informando que ''o que o STJD está fazendo agora é afastando a torcida'' (sic).
 
Ora, quem conferiu a ''Sua Excelência'' o poder de tolher a liberdade de ir e vir das pessoas, constitucionalmente garantido a todos, em tempo de paz ? ninguém.

Existe alguma lei que preveja a aplicação, inclusive genérica, das referidas penalidades, mormente pelo STJD ? não. 
 
A Lei Geral do Esporte (nº 14.597/23) é  claríssima ao estipular que se sujeita à pena de reclusão de um a dois anos, além de multa, quem promover tumulto, praticar ou incitar a violência, no local de realização do evento esportivo ou num raio de 5 quilômetros deste, ou mesmo durante o trajeto de sua ida e volta, nas mesmas cominações incorrendo aquele que invadir local restrito aos competidores ou aos árbitros e seus auxiliares (art. 201), antes tendo deixado assente que não se confunde torcida organizada com a organização esportiva por ela apoiada (art. 178, §3º), a primeira atribuindo responsabilidade civil objetiva e solidária pelos danos que seus integrantes venham a causar (§§ 5º e 6º), sendo o STJD ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE, destarte, para penalizar torcedores/expectadores.
 
   
Aliás, é direito destes que lhes sejam disponibilizados à compra ingressos para as partidas integrantes das competições (art. 143, idem), devendo ser dito, porque importante, que ''Os dirigentes, as unidades ou os órgãos de organizações esportivas inscritas ou não no registro de comércio não exercem função delegada pelo poder público nem são considerados autoridades públicas para os efeitos desta Lei'' (art. 203).
 
Na situação em comento, inexiste qualquer investigação policial que tenha concluído que os autores daquele abominável atentado sejam, de fato, ''torcedores do Sport Recife'' (sic), nada podendo justificar, ainda que assim não fosse, a precipitada ilação de que, em decorrência de atos de uma minoria de bandidos, covardes, marginais e, por que não dizer, homicidas, toda uma comunidade, composta por número indeterminado de indivíduos, deva ser exposta à execração pública, proibida até mesmo de frequentar praças esportivas, sem distinção de qualquer espécie, colocando na mesma horda daqueles párias pessoas de bem, pais e mães de família, idosos, crianças, jovens e demais, como se comungassem, em conjunto, com aquele nefasto propósito (atentar contra a vida e incolumidade de outrem).
 
Faz-se imprescindível, portanto, a imediata revogação da mencionada ordem proibitiva, por si mesma temerária e açodada, notadamente quando se constata que, em casos recentes, semelhantes e igualmente gravíssimos, punição alguma foi imposta aos aficionados pelas agremiações neles envolvidas, podendo ser citados, dentre os outros, os atentados ocorridos em 10/04/19, quando o ônibus conduzindo a delegação do Palmeiras foi atacado por pedras e garrafas, a caminho do Allianz Parque; em 18/05/23, ocasião na qual o ônibus da delegação do Internacional veio a ser apedrejado; em 16/08/23, tendo por vítima a delegação do Corinthians, que teve o ônibus que a conduzia atacado por pedras e outros objetos...).
 
Sem embargo disso, o Poder Judiciário deve ser acionado por todos aqueles que, de alguma forma, se sintam injustamente sacrificados, em decorrência da estapafúrdia liminar antes referida, aqui se chamando a especial atenção do Ministério Público, posto que dita medida, em tese, pode até mesmo configurar o delito previsto no artigo 20 da Lei  nº 7.716/89 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça, cor etnia, religião ou procedência nacional, assim redigido: 
 
 
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. 
 
Como bem resumido pelo Presidente do Sport Club do Recife, em recente pronunciamento público, a punição foi imposta em virtude do ''CEP'' desta mais do que centenária Entidade, sediada no Nordeste do Brasil, cujo tratamento dispensando pela CBF e órgãos julgadores, de abrangência nacional, jamais obedeceu aos mesmos critérios e parâmetros daqueles aplicados às agremiações do Sul-Sudeste.
 
Carlos Frederico Vital 
Advogado- OAB/PE 18.314
Sócio Patrimonial e ex diretor jurídico do Sport Club do Recife
Presidente do Diario de Pernambuco 
 

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