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ENTREVISTA

''Neste século, veremos mudanças que a humanidade nunca imaginou", afirma Silvio Meira

Publicado em: 04/12/2021 08:59

O cientista Silvio Meira vislumbra o desenvolvimento de tecnologias capazes de solucionar problemas-chaves no campo da sáude (Arthur Souza/DP Foto)
O cientista Silvio Meira vislumbra o desenvolvimento de tecnologias capazes de solucionar problemas-chaves no campo da sáude (Arthur Souza/DP Foto)
Paraibano de Taperoá, o professor extraordinário da Cesar School e professor emérito do Centro de Informática (CIN) da UFPE Silvio Meira tem o nome ligado a grande parte dos avanços da tecnologia no Recife. Não por acaso, a sua forte ligação com o Cesar e o CIN, ambos à frente das pesquisas e da formação de profissionais no campo da informática. O conhecimento neles produzido projetou a capital pernambucana para fora do estado e do país. E há muito em andamento.

Autor do recém-lançado O que é estratégia?, Meira conversou com o Diario de Pernambuco sobre sua trajetória e assuntos caros à sociedade, como o impacto das redes sociais na vida das pessoas, inovação, educação tecnológica,pandemia e sobre o que está por vir nas próximas décadas com a avanço das tecnologias. “Neste século, nós veremos a maior quantidade de mudanças vividas pela humanidade”, frisa. Entre as mudanças, a cura de doenças como o câncer. Ele defende, no entanto, que os avanços que se avizinham cheguem para todas as camadas da sociedade. Afinal, “gente” é o foco central deste século.

ESTRATÉGIAS
A definição de estratégia que abre o livro é bem simples e cabe em uma linha: estratégia é o processo de transformação de aspirações em capacidades. Já as aspirações são tudo aquilo que você quer ser, ter ou fazer. Enquanto capacidades são as competências, habilidades e recursos necessários para realizar suas aspirações. Uma coisa que me moveu a vida inteira foi uma pergunta: por que as coisas são do jeito que são? E como elas seriam se elas não fossem assim? Isso invoca um conjunto de aspirações. Mas eu sou engenheiro por formação e nós fazemos coisas. Foi assim que acabei desenvolvendo minha vida, primeiro no CIN, depois no Cesar e no Porto Digital e em outras empresas.

O problema é que ela é uma palavra extremamente simples, que todo mundo acha que sabe o que é. Fizeram uma pesquisa que mostrou que, entre 2010 e 2019, a biblioteca do Congresso dos EUA registrou a publicação de 31 mil livros em que um dos temas registrados é estratégia. O que isso significa? Que todo mundo acha que sabe e ninguém sabe. Foi aí que resolvi dizer o que é isso. Por causa de uma preocupação que todo mundo achava que tinha uma estratégia, mas a vasta maioria dos negócios não tem. Geralmente, eles são capturados por um fluxo de coisas que está acontecendo no mercado e saem correndo atrás.

Estratégia tem um problema de propósito, de gestão, de direção dos fatores que interferem, além daquilo que é conhecido e desconhecido e da economicidade, já que existem soluções que são tão caras que é melhor deixar sem solução. Há estratégias que, pra mudar, tem que mudar tanto que elas deixam de fazer sentido.

REDES SOCIAIS
Se pensarmos nas redes sociais em 2010, o tipo de algoritmo que organizava a timeline não tinha preferência nem capacidade editorial. Mas eles começaram a dirigir informação para aumentar seu tempo de permanência naquele fluxo. Em particular, passaram a superdirigir com coisas que achavam que você ia gostar com base no comportamento que você tem ou deveria ter. A partir daí, uma rede social não é tão diferente de um jornal e devia ter a mesma responsabilidade que um editor tem. Não é preciso regular, é preciso usar a lei que se tem.

Se um jornal passa a publicar matérias falsas sobre determinadas pessoas, ele vai ser processado e pagar uma multa gigantesca por uma série de crimes. Mas o que acontece, no caso das redes sociais, é dito que é a liberdade de escolha das pessoas, mas não é. O Facebook já reconheceu que direcionou pessoas por causa do algoritmo de recomendação. Eles e o Google têm um mecanismo de financiamento de grupos que criam material com alta liga com os públicos, o que fez com que, em certos países, todas as fontes de informações dentro da rede social fossem de fake news, já que só elas eram devidamente remuneradas.

Tem que tomar as providências que estão previstas em leis porque o algoritmo está agindo como editor e dando preferência para fake news, o que não é sustentável sob nenhum aspecto, nem ético, nem legal, nem moral. Hoje, talvez, o grupo Facebook em particular seja a maior ameaça à democracia e à saúde que existe.

EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
É preciso dar de volta às pessoas a capacidade editorial de cada um. Se no início as redes eram intermediárias de informação, as pessoas podem redesenhar isso, mas ainda não receberam essa educação. Além disso, as redes dificultam esse processo porque ele é complexo e difícil. Por exemplo, algumas pessoas questionam porque são perseguidas por anúncios de bicicleta depois de fazerem uma pesquisa sobre. Para que isso não aconteça, é só configurar, mas a lista é tão grande que para quem não tem familiaridade tecnológica é difícil.

As novas versões e novos tipos de browsers evitam isso. Existe a alternativade usar um e-mail seguro, por exemplo, que é o de alguém que cobra por isso. Tudo que se usa mas não se paga, o produto são suas informações que estão sendo vendidas para terceiros. Hoje, com o GPS, é possível saber onde a pessoa mora e o lugar que ela dorme frequentemente, isso é usado pelos bancos para verificar seu endereço com base onde seu celular dorme. Com a LGPD, os sistemas da empresa só vão poder usar a informação que você autorizar. Mas, geralmente tudo isso está autorizado.

CESAR
A revolução que o Cesar vem fazendo e que vamos aprofundando é na Cesar School. São coisas estruturantes e estruturadas que começaram com a especialização, depois vieram os mestrados profissionais e descemos para graduação de Ciência da Computação e Design, que é revolucionária porque é baseada em problemas. Trazemos problemas da realidade que precisam ser solucionados e, com base em times, as pessoas tem que resolver.

O Cesar está se transformando numa escola de lideranças tecnológicas da economia do conhecimento de pesquisa aplicada nas áreas onde ele é líder e faz parte dos líderes globais de tecnologia da informação, comunicação e controle. Isso vai ser fundamental quando você olha para a revolução potencial que o 5G pode causar na economia global daqui pra frente. Um estudo mostra que, em 15 anos, o impacto é de 13 trilhões de dólares por ano. Nós estamos falando do impacto de uma China por ano no mercado global.

O Cesar é um transformador e essa dinâmica revolucionária tem que ser intrínseca de um instituto de pesquisa, desenvolvimento, inovação e de uma escola que tem que ser baseada em educação e experiência. Existe uma transição no mundo em que, ao contrário de graduação e diplomas, o mercado está precisando de competências e habilidades. No caso de informática, vale o que você sabe fazer e não o que seu diploma diz que você sabe. Essa transformação de redesenhar e recentralizar o Cesar como uma escola de educação e experiência foca no maior problema do século 21: gente.

INOVAÇÃO
Temos um problema que é educar pessoas para performances que a humanidade nunca fez. Neste século, nós veremos a maior quantidade de mudanças vividas pela humanidade. Entre elas, mudanças que nunca se imaginou. Estamos perto de criar uma vacina contra o câncer. Não tenho dúvida que daqui a uns 30 anos existirá vacina para a grande maioria dos cânceres. Imagina ter uma vacina para câncer de próstata ou de mama. Poder redesenhar uma pessoa pra ela não ser míope. Tudo isso é código. A vacina da Pfizer e da Moderna, por exemplo, não tem vírus, tem informação sobre o vírus que é entregue para a célula como um código que reprograma elas para a eventual chegada daquele vírus.

É quase o mesmo mecanismo de edição genética. Existem diversas possibilidades de código e o Cesar está pensando nisso. No futuro, vamos redesenhar seres vivos como se fossem vírus e bactéria, o que tem implicações fantásticas de qualidade de vida, saúde pública e problemas igualmente filosóficos, éticos e morais de universalização. Se vamos resolver o câncer, temos que resolver para todos. É algo estrutural que quando for resolvido, tem que ir para o SUS. O Cesar pensa em coisas que podem ser universalizadas, temos startups de saúde aqui dentro e já incubamos outras.

PANDEMIA
Pela primeira vez desenhamos vacinas e colocamos em circulação em menos de um ano. Sem vacina e sem isolamento social, esta pandemia tinha o potencial de fazer com o planeta o que a pandemia de peste fez no século 16. Têm muitas lições naquela pandemia para hoje. Em dois anos, ela matou 60% da população da Inglaterra, da França e da Espanha. Mas, naquele período, eles não tinham noção do que era a proteção e como era a transmissão. O que nos leva de volta para a informação. Apesar de já termos, várias pessoas passaram semanas ou meses tomando ivermectina para combater a Covid-19. Existe uma campanha global sendo feita pela OMS, em conjunto com várias fundações de uma coisa chamada medicina baseada em evidências, que consiste em só usar para tratar coisas que são validadas por evidências. É uma lástima que tenhamos misturado saúde com política e opinião.

LIVRO
Neste ano de 2021, lembrei que a gente comemora o Tractatus Logico-Philosophicus, que ataca a filosofia do ponto de vista linguístico, mas criando uma linguagem para fazer perguntas e respostas codificadas. São frases soltas ditas como verdade por alguém que tem autoridade para fazer aquilo. Esse livro foi muito importante por ter sido o primeiro que li durante o doutorado.

Em julho, decidi escrever um livro e publicar para comemorar os 100 anos do tratado. Escrevi e fui desescrevendo para que ficasse com 21 tópicos codificados para as pessoas interpretarem dentro do seu contexto. Deixei espaço para que possam escrever a parte delas da história, mas com uma dificuldade adicional: 21 questões sobre cada tópico. É o que a gente chama de questão essencial, uma pergunta que não pode ser resolvida com o que você leu no livro já que a resposta não está lá. É preciso elaborar no seu contexto, para fazer sentido, e se mudar o contexto a resposta é outra. No último tópico do livro, tem uma questão de quase uma página que diz: reescreva o livro para você.
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