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ECONOMIA

Comerciantes do Cabo foram pegos de surpresa sobre revogação de decreto

Publicado em: 04/06/2020 14:46 | Atualizado em: 04/06/2020 15:14

Na última quarta-feira (3), o Ministério Público orientou para que fosse suspensa a reabertura (Paulo Paiva / DP FOTO)
Na última quarta-feira (3), o Ministério Público orientou para que fosse suspensa a reabertura (Paulo Paiva / DP FOTO)
Exceto pelas máscaras de proteção - que nem sempre protegiam as vias respiratórias - das pessoas que trafegavam pelo centro do Cabo de Santo Agostinho na manhã desta quinta-feira (4), não seria exagero supor que a pandemia de Covid-19 estaria contornada na cidade, localizada na Região Metropolitana do Recife. Nem mesmo os 682 casos de infecção e 98 óbitos, confirmados até o dia anterior, foram capazes de impedir que grande parte do comércio mantivesse as atividades, ainda que de portas semiabertas e com semblantes de vigilância pelos próprios comerciantes.

O cenário pode ser apontado também como consequência da incerteza gerada desde a última sexta-feira (29), não esclarecida em tempo suficiente para a população. Em Decreto Municipal de número 1.905, assinado pelo prefeito Lula Cabral (PSB), a prefeitura planejava flexibilizar o comércio em diversas atividades nesta quinta, mesmo as não previstas no plano de convivência e reabertura gradativa das atividades econômicas, anunciado pelo governo do estado.

Entretanto, na última quarta-feira (3), o Ministério Público orientou para que fosse suspensa a reabertura, através da Recomendação PGJ n.º 28/2020, assinada pelo Procurador-Geral de Justiça (PGJ) de Pernambuco, Francisco Dirceu Barros. Segundo o MP, os municípios podem até adaptar o plano de medidas concebidas pela União e pelo estado de Pernambuco, desde que seja para tornar ainda mais rígidas no combate à pandemia da Covid-19, mas não é possível relaxá-las.

Mas na prática, o que se viu no centro do Cabo está longe de um enrijecimento das medidas. Pelo contrário. Lojas de aparelhos celular e acessórios, tecidos, óticas, bancas de jogo do bicho, agências de empréstimo, consultórios de odontologia, até mesmo pequenos fiteiros, feiras livres e outras atividades de vendas de alimentos com carrocinhas nas ruas. Nem mesmo a chuva impedia o acúmulo de filas.

Estabelecimentos que não estão englobados com vendas físicas nos primeiros passos do plano do governo. Reflexo disso é que a maior parte dos comerciantes abordados não quis conceder entrevista à equipe do Diario de Pernambuco que visitou o local. “Reabrir, oficialmente, a gente sabe que não reabriu, né?”, admitiu uma delas.

Porém nem todos tiveram acesso à informação exata da revogação da reabertura. A ação foi suspensa apenas no período da noite, quando àquela altura vendedores informais já marcavam lugar nas calçadas.

“A gente chegou aqui às 18h e passamos a madrugada dormindo aqui, para ninguém levar as nossas mercadorias. Já estávamos com tudo funcionando, quando os fiscais chegaram tirando todo mundo e recolhendo os materiais pela manhã. Mas a gente improvisou, e segue funcionando no jeitinho, vender escondido. Fazer o quê? Tem que ser assim ou a gente não sobrevive”, relatou a feirante Sara Jerônimo, 29 anos, que afirma não ter recebido o auxílio financeiro do governo federal.

Até mesmo para quem tem as atividades reativadas pelo plano do governo do estado, a desinformação atrapalha e gera desconfiança sobre o funcionamento. Dois funcionários de uma loja de material de construção, preferiram não se identificar, mas também destacaram o cenário de desobediência e falta de fiscalização necessária. 

“A maioria (das lojas) daqui já estava funcionando antes, algumas ‘meia-porta’, e quando viam qualquer movimento fora do normal fechavam. Mas também não tem tanta fiscalização, só a da guarda civil que passa uma vez perdida. Pelo que eu vejo aqui no Cabo, está funcionando tudo normal, só que de porta meio fechada”, denuncia um deles.

Para manter as receitas, o mototaxista Roberto Rodolfo, de 39 anos, precisou reinventar o próprio trabalho. Sem poder transportar passageiros oficialmente, passou a trabalhar com entregas e afirma que até conseguiu ter um acréscimo no faturamento, devido ao aumento na demanda. “Eu só estou na rua porque trabalho com o essencial, na correria, só na (função de) entrega. Se não, eu estava em casa. Os meus clientes são todos de casa. Não estou trabalhando com pessoa física, porque fica mais arriscado até para mim”, apontou.

Fiscalização insuficiente

Roberto representa um caso à parte. Diversos outros mototaxistas rodavam pela cidade, ou aguardavam parados nos pontos do Centro à espera de passageiros. Toda a atividade às vistas de agentes de fiscalização da prefeitura, que embora também transitassem pelas calçadas, pareciam ignorar as diversas irregularidades.

“O negócio está descontrolado. É muita gente na rua sem necessidade. O Centro do Cabo está todo dia topado de gente. Mas não é hora de estar nas ruas não. Até agora não falaram nada na prefeitura”, avalia o mototaxista.

“No mercadão e na feira livre em dia de sábado, e também logo do lado, onde tem a ‘feira do troca’ é gente demais. É gente como eu nunca vi antes lá. Agora, fiscalizar lá, eu não vejo ninguém”, reforça um dos vendedores.

Shopping também ‘surpreendido’

Sara e os demais feirantes não foram os únicos surpreendidos com a suspensão da reabertura das atividades. Até mesmo o Shopping Costa Dourada, principal centro comercial do tipo na cidade, sofreu com o curto intervalo de tempo na publicação da revogação pela prefeitura, assim como no planejamento que havia traçado. Em nota, o estabelecimento se posicionou sobre o assunto.

“O Shopping Costa Dourada investiu em tecnologia e compra de produtos diversos para a reabertura do comércio do município do Cabo de Santo Agostinho, prevista para esta quinta-feira. Na noite de ontem (3 de junho), a superintendência foi surpreendida com a revogação do decreto que permitia a volta das atividades no Shopping. No mesmo instante, informamos aos lojistas, que haviam se preparado para a abertura o dia inteiro, inclusive com alto investimento na compra de produtos. O Costa Dourada espera que as autoridades entendam as particularidades do lugar, um ambiente controlado e com um grande diferencial: é um shopping ao ar livre, com iluminação e ventilação natural.”

Enquanto a reabertura não acontece de forma oficial, o estabelecimento mantém o funcionamento das áreas permitidas, com serviços essenciais. “As operações do supermercado Arco-Vita e a farmácia estão em funcionamento todos os dias das 8h às 20h devido a entrada exclusiva e por se tratarem de serviços essenciais à população. Além disso, os serviços de alimentação das lanchonetes Bob's, Pastello, Açaí Concept e a Cacau Show seguem funcionando exclusivamente pelo sistema de delivery com horários próprios.”

Até a publicação deste material, a prefeitura do Cabo de Santo Agostinho não respondeu aos questionamentos encaminhados pela reportagem.

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