reforma da previdência

Pagar para aumentar a dívida

Publicado em: 11/05/2019 16:06 | Atualizado em: 11/05/2019 16:43

Foto: Reprodução/Pixabay
Um dos temas mais polêmicos durante a primeira fase de tramitação da proposta de reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a introdução do sistema de capitalização na Previdência, conforme prevê a PEC nº 6, será aprofundada na Comissão Especial, cujo objetivo é analisar o mérito das mudanças apresentadas pelo governo. A equipe econômica praticamente já descartou a adoção de um sistema puro de capitalização, à moda chilena, tanto pela rejeição que desperta, como pelo custo de transição do atual modelo de repartição para o de capitalização.

A conta para fazer a transição seria tão alta que causaria um problema fiscal ainda maior do que o que se pretende combater com a reforma. Especialistas em Previdência estimam que o país precisaria investir o equivalente a duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB), mais de R$ 12 bilhões, ao longo de um período que pode variar entre 35 e 45 anos, para cobrir pelo menos duas gerações.

A razão da despesa é que, no regime de capitalização, a aposentadoria é pré-financiada durante o período de atividade do trabalhador, por meio de depósitos em contas individuais, que são investidos e rendem juros, ou seja, a pessoa está poupando para sua própria aposentadoria. Já no regime atual, de repartição, também conhecido como “solidário”, os benefícios são pagos com as contribuições de empregados e trabalhadores arrecadadas no mesmo mês de desembolso, mais o aporte do governo, que completa o que falta com recursos do Tesouro Nacional. Uma vez aprovado o sistema de contas individuais, o pacto entre as gerações é quebrado, mas o passivo de quem estava no sistema antigo tem que ser liquidado.

“Seria necessário honrar o compromisso com os 30 milhões que já estão aposentados, pagar proporcionalmente ou indenizar os cerca de 60 milhões que estão no meio do caminho, e isso a partir da convivência com o novo sistema, que não dá para mensurar, pois não sabemos como vai se comportar o mercado de trabalho”, explica o matemático, especialista em previdência pela Fundação Getulio Vargas, Luciano Fazio.

O consultor legislativo Pedro Nery, autor do livro Reforma da Previdência. Por que o Brasil não pode esperar? calculou o custo em R$ 407 bilhões, para o Regime Geral, e em R$ 15,7 bilhões para o regime dos servidores federais, apenas no primeiro ano de transição. Para se ter uma ideia, no ano passado, somados, o déficit do Regime Geral, do setor privado; do Regime Próprio dos servidores públicos, e dos militares foi de R$ 290,2 bilhões. (Do Correio Braziliense)

Obsessão pelo modelo chileno

Primeiro país a instituir um sistema de capitalização puro, o Chile passou a ser referência nos debates no Brasil pelo discurso do ministro da Economia Paulo Guedes, que lecionou no Departamento de Economia da Universidade do Chile no início dos anos 1980, quando José Piñera, irmão do atual presidente do Chile, e ministro do ditador Augusto Pinochet (1979-1990), criou o sistema, em 1981.

Os trabalhadores chilenos passaram a depositar 10% dos salários em contas individuais conhecidas como AFP (administradoras privadas de fundo de pensão). À época, a conjuntura econômica do país, considerando taxa de juros e população economicamente ativa, favoreceu a transição

Com as mudanças no cenário econômico, porém, os aposentados passaram a receber remunerações consideradas miseráveis. Por isso, em 2008, a então presidente Michelle Bachelet criou um fundo estatal para garantir uma pensão básica, chamado Pilar Solidário.

“A reforma foi feita em uma época em que os juros estavam altos e gerou benefícios para a economia como um todo, como melhora da situação fiscal, o que fez os juros baixarem. Como consequência, os valores aportados foram corrigidos com juros menores, gerando benefícios muito baixos. Teria que ter corrigido a alíquota de contribuição ou os tipos de investimentos, expondo mais ao risco, ou ambos”, avalia o coordenador do curso de finanças do Ibmec, William Baghdassarian, que vê vantagens no modelo chileno, mas acha que o governo tem que aprender com as lições do vizinho. 

“Será preciso criar mecanismos para calibrar alíquotas e a forma de investir os recursos ao longo do tempo, além de instituir a renda mínima”, opina.  

Para a Pedro Nery, há uma obsessão com o modelo do Chile na discussão sobre a reforma da Previdência, quando há outros caminhos a serem considerados. Na opinião do especialista, há pouca dúvida de que a qualidade de vida e o crescimento econômico do Chile, destoantes dos vizinhos, se deve, em parte, à poupança chilena.
 
Diferentes sistemas pelo mundo

Japão
Promoveu uma reforma em 1994. O sistema é dividido em duas partes. Na pensão básica, todos os maiores de 20 anos devem contribuir e ter 65 e 25 anos de contribuição pra começar a receber o benefício, que é igual para todos. O seguro pensão recolhe 9,1% sobre os salários (empregados) e da folha de pagamentos (empregadores). O valor dessa pensão é calculado a partir da média do salário ao longo da carreira, a idade do segurado e o tempo de contribuição, mas só recebem o valor integral os que contribuíram por pelo menos 40 anos.

Alemanha
Primeiro sistema de Previdência a ser criado, em 1889. Adota a repartição com idade mínima de 65,7 anos, que em 2023 chegará a 67. O sistema é financiado por contribuições de 9,3% sobre o salário, feitas por empregados e empregadores sobre a folha de pagamento. A alíquota do empregador sobe para 15% da folha de pagamento para salários abaixo de 450 euros. O governo banca a contribuição de quem oferece 10 horas semanais de trabalho voluntário como cuidador. Há planos privados opcionais individuais e de empresas para complementar os valores. 

Chile
Primeiro sistema de capitalização pura, instituído pelo ditador Augusto Pinochet em 1981. Trabalhadores recolhem 10% do salário em contas individuais administradas pelas chamadas AFP, que fazem a gestão dos recursos e aplicam o dinheiro no mercado financeiro. Empregadores e governo não contribuem. Idade mínima é de 60 anos para mulheres e 65, para homens.

Uruguai
Em 1995, instituiu o modelo híbrido de três pilares. O primeiro consiste na manutenção de uma previdência pública, básica e universal, com um teto de contribuição. O segundo nível é uma previdência privada compulsória, com base na capitalização de contribuições individuais, cuja gestão é feita por operadoras. A contribuição dos empregados, independentemente da faixa salarial, é de 15%. A do empregador, de 12,5%, podendo ser, em alguns setores, de 9,5%. O terceiro nível são as contribuições voluntárias.

Suécia
Primeiro país a instituir as contas nocionais. Foram criadas. contas individuais que não possuem lastros em ativos reais. Elas imitam a estrutura do sistema de capitalização, em que cada um tem sua própria conta, mas funcionam no modelo de repartição, financiado por contribuições de patrões e empregados. Os rendimentos das contas são baseados nos reajustes dos salários médios e o cálculo do benefício, nas contribuições acumuladas atualizadas, divididas pela expectativa de sobrevida na idade de aposentadoria, a partir de 61 anos.

Estados Unidos
Depois da Crise de 1929, instituiu o seguro social público, que convive com o privado. No público, adota o regime de repartição simples com alíquotas de 6,2% para o empregado e para o empregador. A idade de acesso é de 66 anos, subindo gradualmente para 67 até 2027, ou aos 62 anos para benefícios com descontos e com abono para quem aguarda até os 70 anos. O sistema de capitalização não é obrigatório. É uma opção das empresas. Os valores são depositados em uma conta individual do empregado, administradas por fundos de pensão que investem no Mercado Financeiro, ou pelo próprio empregado.

Austrália
O superannual foi instituído em 1991. As empresas recolhem 9,5% do salário bruto dos trabalhadores e depositam em uma administradora da escolha do próprio trabalhador. Essas administradoras são divididas em cinco modalidades, dependendo do perfil da pessoa. Estão programados aumentos de 0,5% ao ano na alíquota entre 2021 e 2025, até atingir 12%. Os empregadores podem fazer aportes nas contas dos funcionários e deduzir dos impostos. Trabalhadores são incentivados a fazer aportes adicionais, para os quais o governo também contribui com até 0,50 para cada 1,00 até um limite estabelecido, a partir do qual os depósitos do governo diminuem até zerar. O trabalhador só pode acessar a conta ao atingir a idade mínima ou pagar multa e impostos que inviabilizam o saque. A idade mínima é de 65,6 anos em transição para 67, em 2023.

Modelo de Pilares do Banco Mundial

Pilar 0: 
não é contributivo. Trata-se de uma renda básica para idosos. Tem caráter assistencial e o objetivo é combater a pobreza 

Pilar 1: 
contributivo e obrigatório, em sistema de repartição. Cobre parte da renda e garante a aposentadoria de quem não tem capacidade de poupança

Pilar 2:
obrigatório em capitalização, em contas individuais. Os recursos geralmente são gerenciados pelo sistema privado, aberto ou fechado

Pilar 3: 
facultativo em capitalização, com aportes adicionais além dos obrigatórios, ou por adesão a entidades privadas de livre escolha

Modelos de Previdência

Repartição
Quem está trabalhando financia as aposentadorias. Não há relação entre o total das contribuições e o valor do benefício no futuro. É como se fosse uma “vaquinha”. Trabalhadores e patrões contribuem com um percentual para pagar todas as aposentadorias e pensões, que possuem diferentes regras. No Brasil, as contribuições de patrões e empregados não são suficientes para pagar todos os benefícios desde 1997.

Capitalização
Quem está trabalhando faz aportes regulares obrigatórios, e voluntários adicionais, para contas individuais ou coletivas, a depender do sistema. Nos individuais, cada pessoa contribui para a sua própria aposentadoria. Em sistemas puros, como o do Chile, apenas o trabalhador contribui para a sua própria aposentadoria. Em outros, também há contribuições patronais. Os recursos são administrados por entidades privadas.

Contas Nacionais
Procura unir as vantagens dos dois sistemas, ou seja, é um regime de repartição, mas com relação direta entre os aportes ao longo da vida do trabalhador com o valor do benefício durante a aposentadoria. Em geral, as contribuições dos trabalhadores na ativa continuam financiando os benefícios previdenciários e os recursos não são investidos no mercado financeiro, mas cada trabalhador conhece a contabilidade de seus aportes.

Sistemas híbridos como exemplo

Fora do raciocínio binário capitalização ou repartição, direita ou esquerda, situação ou oposição, é possível encontrar modelos híbridos que podem enriquecer os debates na comissão especial. Segundo o consultor legislativo Pedro Nery, vários países possuem alguma forma de capitalização obrigatória no financiamento da sua previdência, como Colômbia, Uruguai, Bolívia, Peru, China, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Japão, México, Arábia Saudita, Reino Unido e Turquia.

“Nosso grande problema é o déficit de transição. O Brasil tem um dos sistemas mais desequilibrados no mundo. Não conheço quem tenha feito transição para capitalização em uma situação parecida com a nossa. Por isso, as experiências mais interessantes são as das contas nocionais”, opina Pedro Nery.

Esse modelo também ganhou espaço nos estudos da equipe econômica. O primeiro país a adotá-lo foi a Suécia, em 1998, onde o déficit da Previdência chegou a 2,5 vezes o PIB nos anos 1990. Neste sistema, são criadas contas individuais para cada contribuinte, mas o financiamento da previdência ocorre pela repartição, ou seja, as contas existem para relacionar os aportes financeiros de cada um ao valor do seu benefício no futuro, mas as contas não possuem lastro em ativos reais. Por trás dessa contabilidade, está um fundo coletivo alimentado pelo recolhimento das contribuições de todos.

Nas contas nacionais, os recursos não são aplicados no mercado financeiro. Geralmente, a correção é feita com base na taxa de crescimento dos salários. Na prática, as contribuições dos trabalhadores na ativa financiam os benefícios dos aposentados, mas com mais transparência. É uma tentativa de manter a solidariedade do sistema de repartição e eliminar as injustiças embutidas. Letônia, Noruega, Polônia e Itália adotam esquemas parecidos.

Nery considera interessante, e um contraponto ao modelo chileno, o esquema de capitalização da Austrália. De acordo com as regras do superannual, como os australianos se referem ao sistema, os empregadores recolhem as contribuições dos trabalhadores e as depositam em administradoras indicadas por eles, que se dividem em cinco perfis diferentes, de acordo com o nível de exposição ao risco. 

Os aportes dos empregadores são voluntários, mas eles recebem incentivos tributários, se fizerem. Além disso, para incentivar a poupança, a partir de um piso e até um teto, o governo também contribui para a conta do trabalhador.

Muitos países da América do Sul, segundo Nery, seguem o modelo em pilares, recomendado pelo Banco Mundial: um pilar não contributivo, como uma renda básica para o idoso; um  obrigatório em repartição, cobrindo parte da renda; um obrigatório em capitalização; e outro facultativo em capitalização. É o caso do Uruguai, por exemplo, que, para encarar o impacto fiscal do custo de transição, recorreu a um empréstimo do Banco Mundial. (Do Correio Braziliense)
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