Observatório econômico

Comércio internacional: jogo de soma zero?

Publicado em: 19/03/2018 08:00 | Atualizado em: 15/03/2018 19:37

Por Marcelo Eduardo Alves da Silva (*)

Marcelo Eduardo Alves da Silva é professor de Economia da UFPE. Foto: Paulo Paiva/DP
Em meio à escalada protecionista no mundo, o Brasil deveria manter o foco nos benefícios da maior abertura comercial e não sucumbir ao protecionismo.


Durante anos prevaleceu a ideia de que o comércio internacional seria um jogo de soma zero, isto é, se alguém se beneficia é porquê outro saiu perdendo. Esse pensamento foi provado errado já no século 19, mas, por incrível que pareça, ainda influencia a política econômica. Dito isto, vejo com preocupação a escalada protecionista no mundo, em particular, os sentimentos anti-comércio e anti-imigração. A notícia de que os Estados Unidos pretendem sobretaxar as importações de aço é uma dessas más notícias. A questão é como o Brasil deveria se portar?

Em primeiro lugar, vale destacar que o Brasil não é efetivamente uma economia muito aberta. Nosso coeficiente de abertura (soma das exportações e importações como proporção do PIB) está entre os menores do mundo. Impor mais restrições a um padrão de comércio já restrito, só aumentaria a distância para os demais países. Perderíamos ainda mais, particularmente se a ideia de sobretaxar o etanol americano for levada à cabo. Isto seria ruim para consumidores brasileiros. Talvez devêssemos aproveitar e negociar a não imposição das sobretaxas com a redução de tarifas e outras barreiras em setores demasiadamente protegidos no país. Um exemplo seria a nossa indústria automobilística, uma senhora de mais 60 anos, ainda bastante protegida e, em consequência, pouco competitiva em mercados globais, salvo exceções.

Em segundo, a maioria dos economistas concorda que o comércio internacional não é um jogo de soma zero, na verdade, é uma estratégia vencer-vencer, onde os ganhos superam os potenciais prejuízos. Um país tende a se beneficiar com a maior abertura ao fluxo de bens e serviços, e de pessoas. Maior abertura significa que consumidores poderão comprar produtos, importados ou não, mais baratos e de melhor qualidade, já que a concorrência força as empresas a investirem em qualidade e ganhos de produtividade (produzir mais com menos insumos) para poder competir. Isto beneficia não apenas consumidores, mas trabalhadores (com maior produtividade poderão receber melhores salários), firmas (que terão acesso a máquinas e insumos importados mais baratos, com ganhos de produtividade e lucratividade) e o país (com aumento da produtividade total da economia  e ao se integrar às cadeias globais de produção).

Nós já experimentamos isso no passado, com a abertura promovida nos anos 90. Os ganhos de produtividade foram substanciais e a economia se beneficiou. Isto não quer dizer que os ganhos sejam uniformes. Os que mais perdem, em geral, são firmas e trabalhadores de setores da economia que, quando expostos à concorrência, acabam entrando em declínio. Minimizar os efeitos negativos requer mecanismos compensatórios para os segmentos mais afetados. Por exemplo, facilitando a recolocação de trabalhadores para setores mais dinâmicos,  desenhando programas de educação e qualificação profissional focados nestes setores, apoiando o surgimento de novos projetos produtivos e, em última análise, mantendo uma rede de proteção social. Além, é claro, de facilitar o acesso das firmas locais ao mercado internacional, difundindo informações e reduzindo os procedimentos burocráticos. Precisamos mudar nossa mentalidade e nossa visão de mundo.

(*) Professor de Economia da UFPE.
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