Observatório econômico

As drogas e o mercado

Publicado em: 11/03/2018 08:00 | Atualizado em: 08/03/2018 16:51

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Nas últimas semanas um tema recorrente, e por diversas razões, vem sendo a intervenção federal na área de segurança no Rio de Janeiro, a 1ª desde a Constituição de 1988. Por sermos um país que durante boa parte de sua República esteve sobre controle militar, com um considerável passado de golpes, não estranha a preocupação geral. O foco da intervenção, porém, é segurança pública. Mais precisamente, a insegurança no Rio de Janeiro, que novamente estampou manchetes mundo afora no último carnaval.


O Problema da segurança no Rio não tem nada de novo, há décadas se houve sobre o confronto entre policiais e traficantes e que evoluiu para combate urbano com fuzis e granadas no meio do principal cartão postal do Brasil. A guerra as drogas sempre foi o principal fato gerador deste conflito urbano e no Brasil é combatida com repressão, ações policiais e endurecimento das Leis. Funciona?

Este é um ponto bastante controverso, e não são poucos os que dizem que não só não funciona como o caminho está equivocado. Algumas correntes de economistas estão entre eles. Dois pontos de vista ilustram bem esta visão que a guerra as drogas só favorece os traficantes, aumentando seu poder e os enriquecendo. A primeira é de Von Mises, economista de forte tradição liberal que pondera que a ação do Estado ao coibir o uso de drogas pelo cidadão abre a possibilidade de controle social sobre a liberdade individual. Mises adverte que o mercado para drogas existe pela presença de uma demanda a princípio espontânea do consumidor, e que esta não deixa de existir a partir da ação regulatória do Estado e isto leva a necessidade de construção de um aparato inibidor por parte deste.

Já Friedman, Nobel de economia e um dos mais importantes economistas liberais, vai além e vaticina que a criminalização do consumo de drogas é a melhor coisa que o Estado pode fazer para os narcotraficantes. Para ele, ao criar barreiras à entrada de entorpecentes e elevar os custos de operacionalizar o negócio, o Estado cria elementos essenciais ao surgimento dos oligopólios que se apresentam na figura dos carteis. Assim como Mises, Friedman chama a atenção para o controle social da liberdade individual de escolha, e concorda que a demanda não desaparece pelo ato regulatório.

Para exemplificar seu argumento Friedman cita a Lei Seca americana, que além de não reduzir o consumo de álcool criou as condições para expansão do crime organizado, tendo o famoso Al Capone como seu mais destacado representante. Poucos anos atrás o Relatório Mundial das Drogas, produzido pela ONU, indicou que 5% da população mundial consome entorpecentes e 40% das pessoas presas no mundo o estão em função de drogas. Já a London School of Economics estimou que os gastos com o combate ao tráfico já consumiram mais que espantosos 1 trilhão de dólares até o presente, e que o mercado de drogas movimenta centenas de bilhões de dólares anualmente. Podemos estar diante da mais fracassada de todas as políticas públicas da história da humanidade, conforme antecipado por Friedman décadas atrás.

Mas descriminalizar não seria o caos? Na verdade, todas estas substâncias eram legais até o final do século XIX, você as compraria nas farmácias. Embora seu consumo, particularmente quando em excesso, fosse moralmente condenável, não havia razão para o tráfico porque não havia restrição a oferta. Hoje seria inviável retornar a este arranjo? Não há consenso. Experiências neste sentido na Europa com drogas pesadas foram controversas, mas a recente regulação e liberalização da maconha vem ganhando força com resultados expressivos indo do Uruguai ao Canadá. O que podemos dizer é que, considerando os resultados históricos, é improvável que uma intervenção federal venha a ser exitosa no médio prazo.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.
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