Sucesso Ex-feirante de Afogados torna-se um dos maiores empresários de produtos de limpeza de Pernambuco Diagnosticado com hiperatividade, Wilson quebrou tabus, fez de tudo um pouco na vida e não abandonou os sonhos. Sua empresa vende produtos profissionais e serviços para lojas como o Walmart e a Borborema

Por: Aline Moura - Diario de Pernambuco

Publicado em: 18/11/2017 09:00 Atualizado em: 20/11/2017 22:21

A Quimilab fica localizada no bairro do Ibura, na Zona Sul do Recife, tem 47 funcionários e produz mais de 250 produtos e serviços. Foto: Ricardo Fernandes/DP
A Quimilab fica localizada no bairro do Ibura, na Zona Sul do Recife, tem 47 funcionários e produz mais de 250 produtos e serviços. Foto: Ricardo Fernandes/DP
 

O filho do alfaiate Zequinha, 91 anos, e da costureira Glauce, 81, tem passos rápidos, mas sua mente corre mais veloz do que pernas podem imaginar. Diagnosticado com hiperatividade, o empresário José Wilson de Souza Júnior, 47 anos, venceu as próprias urgências e dificuldades, sendo hoje dono da Quimilab, fábrica de produtos institucionais de limpeza que está entre as primeiras do ramo em Pernambuco e no Nordeste, um sonho que passou a existir desde 1994 e oferece mais de 250 produtos e serviços.

A estrada percorrida teve muitos solavancos. Wilson trabalhou como feirante no Mercado de Afogados, discotecário da boate Sampa, vendedor de roupas e representante comercial até produzir a fórmula que mudou sua vida na década de 1990: uma mágica que deixava o piso de alumínio dos ônibus brilhosos como prata. Ele conta, com sorriso no rosto e saudade, que sua agitação causou problemas de comportamento em casa e na escola, ao ponto de ele só escapar de pisas em três dias do ano: no seu aniversário (17 de fevereiro), no Natal (25 de dezembro) e na véspera de Ano-novo. Hoje, contudo, ele não só está pronto para contar sua história, como feliz com as conquistas diárias, sejam profissionais ou pessoais.

Na Quimilab, localizada no bairro do Ibura, Zona Sul do Recife, soa alto blin blong, blin blong, até a porta de alumínio ser aberta. “Boa tarde”, responde uma voz ligeira às batidas na porta, aberta para a entrada de dois jornalistas, um fotógrafo e o motorista, sendo esses recebidos por um homem de estatura mediana, farda, calça jeans e sapato bege surrado. “Vocês querem falar com quem?” Com o senhor Wilson, por favor, enfatizam os visitantes, dois deles equipados com cadernos e um com máquina fotográfica, todos sem jeito (pensávamos que éramos aguardados). “Tem certeza? Ele é um homem muito ocupado!”, retrucou esse mesmo senhor, sorrindo para o grupo e admitindo a brincadeira diante de olhares de perplexidade. “Sou eu”, diz, caindo na gargalhada.

Foi assim que o empresário se apresentou. Abrindo a porta, pedindo que entrássemos na sua empresa e fôssemos ao escritório, um pequeno trajeto que durou uns 15 minutos. Ele parou para mostrar obras de arte de madeira, pinturas, esculturas de barro, um aquário marinho, o escudo gigantesco do Santa Cruz... Falou mais do que o homem da cobra, como diz o matuto, com a simplicidade de anfitrião do interior, misturada com um conhecimento cultural só dele e um jeitão de quem é workaholic (trabalhador compulsivo).

Wilson tem insônias, contas as horas do relógio para acordar e mergulhar nos afazeres. Não gosta da noite, que se arrasta como uma tartaruga na terra e precisa encontrar hobbies diferentes para se distrair. Quando era menino, a situação era pior. A cama parecia ter espinhos. Ele embolava, mexia para lá e para cá, mal pregava os olhos, uma agonia danada. Levantava nos primeiros raios de sol, seja beijando a mãe, uma preciosidade de mulher, ou fazendo traquinagens pela casa. “Eu era um aperreio, era uma peste”, admite, ressaltando ter evoluído bastante com o tratamento médico adequado.       

Ainda na adolescência, de 14 aos 17 anos, ele arrumou um bico na feira de Afogados, nada muito chique para ele, mas que rendia um dinheirinho. Ele “atocaiava” os sacos de farinha, arroz e feijão para evitar que os meninos passassem com uma cuia e levassem os produtos sem pagar, iniciativa que, de um em um, dava um prejuízo tremendo ao tio Wanduir, dono da barraca. Nessa época, o menino levou o apelido de “cabueta”, mas nem se importou. Estava fazendo o que achava certo e, acima de tudo, precisava de uns trocados para sobreviver. Em pleno governo Sarney, ele era ajudante de feirante, o dinheiro era escasso, digerido com velocidade pela inflação, especialmente numa família de muitos filhos. Wilson tem mais quatro irmãos (Izaura Ismenia, Walter Wilson, Carmen Vanusa e Cláudia Souza). O mais velho, Walter, 51 anos, também foi feirante e hoje é contador. A irmã Cláudia, por sua vez, trabalha com ele na Quimilab, comporta-se como a adulta da casa. Já a mãe de Wilson (Glauce) é citada a cada frase com carinho e respeito. “Ela sempre foi uma educadora”, pontua.  

Coleção de santinhos, imagens religiosas, carros em miniatura...


Empresário comprou um maverick antigo para reformar e diz que vai ser um dos melhores do Brasil. Ele também tem carros em miniaturas. Foto: Ricardo Fernandes/DP
Empresário comprou um maverick antigo para reformar e diz que vai ser um dos melhores do Brasil. Ele também tem carros em miniaturas. Foto: Ricardo Fernandes/DP

Os olhos dos visitantes passeiam no escritório de Wilson de Souza Júnior com curiosidade. Ele tem uma urna de madeira antiga onde guarda satinhos de pessoas que já partiram e, bem acima dela, uma cruz, diversas imagens da mãe de Jesus e outros homens considerados santos pela Igreja Católica. No meio do altar, uma foto antiga se destaca de Wilson com dom Helder Câmara, o líder religioso que tanto lutou contra as torturas no período militar.

Caminhando o olhar mais um pouco pelos pertences de Wilson, é possível ver uma coleção de fotos de família e carros em miniatura, além de uma bola e uma camisa assinadas por Pelé, o rei do futebol. O empresário, que hoje fornece produtos para empresas como a Borborema, o Walmart e a Metropolitana e Itamaracá, além de hospitais do Recife, cuida dos seus hobbies como se fossem um jardim. Ops, calma lá. Ele também tem um jardim numa propriedade de Gravatá, no Agreste de Pernambuco, e uma pequena horta na entrada da fábrica, que atua nos segmentos de linha automotiva, de piso e de lavanderia, além de limpeza geral, alimentícia/industrial. São produtos e serviços diversos, 47 funcionários, terceirização e marca própria. Na linha de montagem, por exemplo, uma só máquina enche três mil litros em 28 minutos. Nada, contudo, que apague o passado do empresário, que ele lembra com saudade e orgulho.

O primeiro emprego de Wilson foi na Leon Heimer, fundada em 1940, responsável pela fabricação de instrumentos cirúrgicos, peças para automóveis e matrizes industriais. Ele trabalhava no controle  de estoque, vendia roupas “importadas da sulanca” à prestação para os conhecidos, era ajudante de discotecário da boate Sampa nos finais de semana e estudava nos intervalos. A hiperatividade impulsionava nas multitarefas, embora a mais difícil fosse manter a concentração nos estudos. “Eu era o pior aluno”, diz, mas ressaltando que a mãe Glauce nunca deixou que abandonasse a escola. “Terminei o segundo grau e fiz faculdade de Marketing e Administração na Católica. Fiz diversos cursos de química”, destaca, para depois mostrar, já à noite, com a sirene da fábrica tocada, uma sala com ar condicionado toda organizada, com alunos em processo de alfabetização. Sabia o nome de cada um.

Ainda na Leon Heimer, Wilson comprou seu primeiro carro conversível, um puma usado, do médico de trabalho da empresa, uma belezura para os olhos. Por azar, a compra coincidiu justamente com o sumiço de uma peça na empresa chamada virabrequim (eixo de manivelas). O veículo recém-adquirido era velho, mas a aquisição gerou desconfiança entre alguns amigos e ele teve que provar à dona da Leon Heimer que não se apropriou da virabrequim. Bem distante disso. Wilson ganhava três vezes mais vendendo roupas do que recebia no controle de estoque. Ele explicou que, nos intervalos de duas horas de almoço, pegava um ônibus e ia ao centro do Recife comprar vestimentas para depois revender. Quase não almoçava. Tinha um caderninho com nomes dos clientes, preços e fazia sucesso com novidades, especialmente no bairro de Afogados, do qual fala com carinho. A própria dona da Leon Heimer era cliente e ficou aliviada quando ele mostrou o caderninho com os números. Acabaram-se as desconfianças.

O primeiro jantar romântico

Na primeira vez que Wilson foi jantar com então namorada, hoje esposa, num restaurante "chique", em Boa Viagem, ele chorou. Crédito: Foto arquivo pessoal.
Na primeira vez que Wilson foi jantar com então namorada, hoje esposa, num restaurante "chique", em Boa Viagem, ele chorou. Crédito: Foto arquivo pessoal.

Em certa época, Wilson aproveitou o talento do pai, que era alfaiate, pediu que ele confeccionasse vários blusões brancos de tecido popeline e desenhou (ao seu estilo) o símbolo da Fido Dido – moda dos anos 1980, em cada um. Foi uma febre em Afogados, os meninos queriam comprar o blusão para ir às festas, dançarem música lenta, ficarem bonitos, era época de grandes amores, de escutar Lea, de Toto, que, na tradução do inglês frisa, num trecho, quem se importa com o que os cínicos dizem? “Hoje, eu pagaria R$ 5 mil por uma camisa dessas, só pela lembrança”, destaca, emocionado. Também demonstra romantismo ao falar do passado. Um dos pontos que destaca ao relembrar sua história, por exemplo, é o fato de o pai (o alfaiate José Wilson de Sousa) nunca ter chegado em casa depois das 19h, era cuidadoso, respeitava a mainha Glauce. “Ele trabalhava no prédio das lojas Tebas, saia às 7h e voltava às 19h todos os dias”.

Wilson conheceu a esposa, Alessandra Santana de Medeiros, nos anos 1980. Ela acompanhou todas as fases do companheiro, das dificuldades econômicas à vida sem contas na ponta do lápis. No primeiro jantar sozinhos, quando era funcionário de uma empresa que vendia bloqueador de combustível, Wilson juntou todas as economias para levar a então namorada no Flor de Cheiro, um restaurante dito grã-fino de Boa Viagem. O jantar era um devaneio, ele pediu filé à moda da casa, queria o prato mais elegante. “Quando o prato chegou, eu não consegui comer. Comecei a chorar, porque eu pensava que meus amigos não podiam comer aquilo, eu queria que eles pudessem também. Era como se eu não fosse merecedor, mesmo trabalhando tanto. Nesse dia eu soluçava, chorava, minha namorada (hoje esposa) dizia que não era o fim do mundo, só porque eu estava num restaurante”. (A.M)

"O Luminex30 é o melhor produto para limpeza de piso em alumínio do mercado"

 

Mistura de produtos criados por Wilson foi feita em 1994. Ele encantou empresários de ônibus porque o Luminex30 deixava o piso brilhoso feito prata. Foto reprodução: Ricardo Fernandes/DP
Mistura de produtos criados por Wilson foi feita em 1994. Ele encantou empresários de ônibus porque o Luminex30 deixava o piso brilhoso feito prata. Foto reprodução: Ricardo Fernandes/DP

É uma raridade ver uma pessoa do mundo empresarial expondo os próprios defeitos como Wilson, traços de sua transparência. Na infância e adolescência, era traquino, arengueiro e o terror da vizinhança, mas ele nunca deixou de buscar o próprio sustento e ajudar a família. Era (e continua sendo) um obstinado no trabalho e tem um coração daqueles que abraça. Para se ter uma ideia, Wilson não gosta de receber presentes, mas passou a comemorar o próprio aniversário no Hospital do Câncer, vestido de palhaço e dando brinquedo às crianças. Uma alegria que descobriu depois de se tornar empresário: presentear para se sentir presenteado.

Na juventude (não é muito diferente hoje) os pensamentos de Wilson viravam e mexiam feito formigueiro. A intensidade aumentou quando ele começou a atuar como representante de produtos automotivos, em Pernambuco, de uma fábrica do Pará. Ele vendia xampu para carro e limpador de piso de alumínio de ônibus entre os anos de 1991 e 1993. Nessa época, como tinha cara de menor de 18 anos, ganhava fácil a simpatia dos clientes, não só por ser falador e simpático demais, como por seu desempenho profissional. Wilson ainda permaneceu vendendo roupas nesta fase, seu maior ganha pão. E a alegria dos olhos dele contagiava os clientes, como nos dias de hoje. Gostava de contar piadas e tem mais causos sobre o bairro de Afogados do que já nasceram ninhadas de gatos naquela região. Onde chega, é o centro das atenções.

Em 1994, como não tinha carteira assinada, resolveu dar um passo de risco, porque não aguentava mais as condições de trabalho sem perspectiva. Conversou com um químico da Universidade Federal, com pessoas que trabalhavam em postos de gasolina e comprou três produtos para criar um outro líquido potente, capaz de limpar pisos de ônibus, mas que não era feito no mercado pernambucano. Como chegou a esta empresa, Wilson? “Sei lá” (risos)

“As pessoas brincavam e diziam que eu tinha sido o inventor do Champions (relógio que tinha várias pulseiras coloridas nos anos 1980). Se eu inventasse esse produto (o limpador), ia sair daquela situação. Foi ai que veio uma luz. Peguei meu dinheiro, comprei um quilo disso, daquilo e daquilo, ganhei um pouco de corante, e fui para a frente do Atlético, na Estrada dos Remédios. Na frente tinha uma empresa que um amigo meu trabalhava, um armazém de construção...Aí eu fui lá com esses produtos perigosos... o pior ácido que existe. Eu não tinha noção do perigo. Eu cheguei na calçada e misturei e veio aquela coisa divina, o cabeludo lá de cima fez xiiiiiisss.. e saiu a mistura de dois litros. Foi uma fumaça triste na calçada, o meu amigo Dinho correu, disse que tava catinga da p... Eu fui misturando, com uma camisa no rosto, o corante separou do restante do produto (o corante estava errado), mas eu fiz o produto da minha vida”. “Não houve explosão (e não faça isso em casa)”, diverte-se.

Empresário passou a comemorar seu aniversário no Hospital do Câncer, onde se veste de palhaço para alegrar as crianças e presenteá-las. Descrição: Arquivo pessoal
Empresário passou a comemorar seu aniversário no Hospital do Câncer, onde se veste de palhaço para alegrar as crianças e presenteá-las. Descrição: Arquivo pessoal

Wilson levou o produto que chamou de Luminex30 – não lembra o motivo do nome - para uma das empresas de ônibus onde já era conhecido. Fez o teste no piso, com uma vassoura, na maior apreensão do mundo. A espuma aumentava no piso e ele nervoso, chamando mil palavrões em silêncio. “Eu não poderia dizer que o produto era meu, nem que era de uma fábrica, muito menos do Nordeste, porque, na época, as pessoas não dariam valor. Então, eu disse que era de Minas Gerais. O pessoal falava: 'tinha que ser de Minas!'. 

O então inventor afirma que a empresa de ônibus gostou tanto da novidade que solicitou um tambor de 200 litros, exigindo que ele cobrasse o mesmo da antiga empresa paraense – valor que lhe renderia lucro, uma vez que ele mesmo faria a empreitada. Era o equivalente a R$ 2 mil na época, muito dinheiro, dava para jantar várias vezes no Flor de Cheiro com a namorada, com quem é casado até hoje e tem dois filhos (Julia e Hugo). Ele, contudo, resolveu aperfeiçoar o produto e seu armazenamento, botar num galão de plástico que tinha resistência de caixa d´água e vinha do exterior trazendo azeitona, uma novidade nesse ramo. O tambor era comprado em Olinda, exclusivo. Wilson já fez novamente a mágica dos líquidos nesse tambor, passando a noite em claro, construindo cálculos para ver quantos litros daquilo, daquilo e daquilo daria 200 litros, um aumento de 100 vezes da fórmula original.

Ele levou a experiência para a mesma empresa de ônibus e aguardou uma semana para saber dos resultados, no maior suspense, quase sem respirar, tic, tac, tic, tac. Quando chegou lá, tava todo mundo revoltado, esculhambando ele, e ele só pensava em sumir do mapa. Contudo, não era pela qualidade ruim do produto, pelo contrário. Era pelo sumiço, a falta de notícias, não havia celular. Todo mundo queria mais e ainda havia uma disputa para ver quem ficava com o tambor. Na época, no Recife, a falta de água era severa, o galão servia para armazenagem.

Wilson pagou logo a faculdade com o lucro do primeiro tambor do Luminex30, e começou a multiplicar o produto no oitão de sua casa, debaixo do sol quente. Depois, com o tempo, ele alugou um pequeno galpão e contratou alguns empregados. Foi o início do empreendimento que já dura mais de duas décadas e atualmente tem três químicas fazendo novas experiências. É o investimento mais perene de sua vida, além da família. “O Luminex30 é o melhor produto para limpeza de piso em alumínio do mercado”, enfatiza. (A.M)

 
A poesia da pintura

Wilson tornou-se amigo do pintor Reynaldo Fonseca e do pintor e escultor Francisco Brennand. Para este último, mandou cartas anônimas por quatro meses para que a mágica da amizade acontecesse. Foto de arquivo pessoal
Wilson tornou-se amigo do pintor Reynaldo Fonseca e do pintor e escultor Francisco Brennand. Para este último, mandou cartas anônimas por quatro meses para que a mágica da amizade acontecesse. Foto de arquivo pessoal

Numa data que não recorda, já nos anos 2000, Wilson deu de encontro com uma poesia que não se lê nos livros, mas se sente o impacto transformador ao contemplá-la, aquela que também força à reflexão: a pintura. Orientado pela irmã Cláudia a fazer aulas de pintura para controlar a ansiedade, há cerca de dez anos, ele se encantou pelas obras do pintor pernambucano Reynaldo Fonseca e do escultor e pintor Francisco Brennand, e não se contentou em apenas admirá-las. Queria conhecer os autores pessoalmente, expressar o que sentia pelo talento de cada um. O motivo era razoável a seu ver. Wilson queria conhecer o médium Chico Xavier, em 2001, mas como adiou o sonho e Xavier faleceu em 2002, decidiu que nunca mais deixaria de procurar alguém que realmente admirasse para falar o que sentia.

“O que é que você quer pintar?”, perguntou o professor a Wilson quando ele se matriculou no curso de pintura, ao que ele respondeu: “Sei lá, eu vim aqui para desestressar”. “Vamos ver, então. Pega aí o livro da Arte Maior, que tem uma galeria de todos os pintores pernambucanos”, continuou o mestre. “Eu gostei desse aqui (era de Reynaldo Fonseca)”, ressalta, frisando ter sentido emoção ao ver os quadros dele, de quem se tornou amigo cerca de um ano depois, uma empreitada nada muito fácil, precisou de muita insistência e ajuda de um sobrinho dele. Reynaldo é bastante reservado.

A amizade com Francisco Brennand, por sua vez, nasceu de outra maneira. Wilson doou produtos de sua empresa para a Oficina de Brennand, para mostrar como o admirava, mas o gesto passou quase em branco para o artista, que tem fãs aos cachos. Ele resolveu, então, agir de outra forma. Secretamente, sempre que ia à oficina levar os produtos de limpeza, Wilson escrevia uma cartinha com análises sobre os quadros de Brennand e deixava debaixo da porta do atelier dele, a quem fitava ao trabalhar. Dizia nos textos o que gostava, o que não gostava e isso, para ele, gerou encanto em Brennand, que começou a procurar quem era o autor das cartas. “O pessoal começou a falar. 'Tem uma pessoa escrevendo para seu Brennand e ele tá querendo saber quem é, ele tá aperreado...' Eu fiquei com uma cara meio assim, sem querer dizer. 'É tu, Wilson? Veja aí!' Eu perguntei: é coisa ruim? 'Não, não. A pessoa está dizendo coisas que estão agradando ele'”, relembra, numa alegria daquelas.

A amizade de Wilson e Brennand se ramificou em pequenos gestos. Num deles, por exemplo, a secretária de Brennand avisou que o artista faria uma exposição em Fortaleza (CE) e Wilson largou tudo que estava fazendo, comprou uma passagem à prestação e foi para a capital do Ceará para prestigiar a mostra do artista, chegando lá de surpresa. “Todo ano ele me dá um quadro”, conta, gratificado.

Flores para compensar o peso de um seixo

Empresário tem o mesmo brilho dos olhos de menino. Diz que melhorou bastante nas traquinagens e sente muito saudades da professora Teresinha, que se tornou num exemplo para sua vida. Foto: Ricardo Fernandes/DP
Empresário tem o mesmo brilho dos olhos de menino. Diz que melhorou bastante nas traquinagens e sente muito saudades da professora Teresinha, que se tornou num exemplo para sua vida. Foto: Ricardo Fernandes/DP

Wilson pega uma folha do caderno e desenha, mostrando à reportagem um retrato do que acontecia no colégio. “Eu podia tirar nota 9 nas provas, eu tenho várias guardadas. Mas os professores escreviam: comportamento zeeeeeero!”, escreve, desenhando um zero redondo na página. Esse é um resumo da vida do estudante, que fez tratamentos para melhorar da hiperatividade, inclusive adquirindo alguns hobbies “estressantes”, entre eles, ser síndico de um condomínio em Gravatá, reformar um marevick de 1975, e uma pick-up Chevrolet de 1951, o que lhe rendeu o apelido de Chip Foose, um desenhista de carros norte-americano. “Era difícil ficar 10 minutos sentado”, explica.

De todos os anos de sua vida escolar, no entanto, um em particular marcou Wilson. Foi quando ele foi reprovado pela terceira vez na sexta série, por falta de meio ponto na prova de português, já na recuperação. Ele procurou a professora Teresinha, do Colégio Ferroviário, em Afogados, e nenhum dos seus argumentos demoveu a professora do intento de reprová-lo, “ele não merecia”. Foi quando ele começou a traçar um plano mirabolante, nada do bem: jogar um seixo na vidraça dela na chamada “Festa da Poeira”, quando se armava um parque de diversões próximo à residência dela. O estudante magoado passou por lá sete noites para se vingar e não conseguiu porque ela estava na varanda todos os dias.

A mais nova reprovação rendeu uma pisa do pai e um mês de castigo. Tinha que passar ferro nas roupas encomendadas ao pai, enquanto os irmãos brincavam nas férias. Considerou um aprendizado. Anos depois, quando estava ouvindo um programa de rádio, de Geraldo Freire, Wilson se emocionou quando o radialista perguntou se o ouvinte preferia um professor carrasco ou bonzinho. Ele lembrou logo da professora Teresinha, do que aprendeu com aquela reprovação. Ligou para o Ferroviário e soube que ela tinha virado diretora. Não teve outra. Como de costume, foi atrás para dizer o que sentia, queria pedir desculpas. Levou sete rosas vermelhas para a mestre (número de dias que tentou jogar a pedra).

Sem lembrar bem do ex-aluno, a professora chegou a perguntar se ele era do tipo CDF, se era um dos que sentavam na primeira fila, estava feliz da vida com o ramalhete de flores , “nunca mais tinha ganhado um”. Quando ele disse quem era e o que tinha acontecido, contando a história do seixo nunca atirado na sua janela, ela ficou boquiaberta, passou um filme na sua cabeça. Teresinha arrastou Wilson para uma reunião de professores que estava acontecendo naquele mesmo dia e o apresentou à turma de educadores, morrendo de emoção. Wilson, envergonhado de ser um exemplo positivo naquele instante, virou novamente um menino. Um menino que sempre quis ser. E só mudou para melhor. (A.M)



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