Observatório econômico A insustentável leveza do déficit

Por: Fernando Dias

Publicado em: 13/11/2017 08:00 Atualizado em:

Com a retomada da agenda de reformas a equipe do governo volta a se defrontar com a questão previdenciária, e muitos já falam e jogar a toalha deixando para 2019. Este é o tema mais polêmico de toda a vasta agenda reformista do governo, superando a reforma trabalhista já aprovada. Discorda-se de tudo, até que existe déficit e mesmo que se pode falar dele. É no mínimo estranho que agentes públicos discordem entre si sobre a existência de algo que se estima na casa das centenas de bilhões por ano, algo parece muito errado pelas bandas do planalto central.

Vamos aos números oficiais. Em 2016 a previdência teve déficit em torno de 150 bilhões e para 2017 a estimativa é pouco mais de 180 bilhões. Já a seguridade social, que é a soma da previdência mais programas sociais e mais a saúde, chegou a incríveis 258 bilhões de déficit em 2016. Para reverter esta situação, que inviabilizará o orçamento público nas próximas décadas com base nos números oficiais, propôs-se incialmente uma ampla reforma atingindo os pilares do déficit, a aposentadoria rural e a aposentadoria do setor público. Em ambos os casos a ideia é ampliar o período que a pessoa trabalha para ter direito a aposentadoria, com a introdução da idade mínima, e elevar o período contributivo mínimo em todos os casos, de 15 para 25 anos. Haveria também um custo adicional, um pedágio, para os servidores públicos se manterem no sistema atual.

A principal critica feita a versão oficial é que a constituição fala em financiamento da seguridade e não da previdência e, assim, não haveria fundamento em falar em déficit previdenciário. Já quanto à seguridade, como a constituição fala de uma série de receitas que seriam exclusivas para financiá-la e por força de emenda constitucional parte vai para o orçamento da União, isto deveria ser revisto. Além disso, dizem os críticos, o déficit referente à previdência do setor público não tem guarida constitucional no déficit da seguridade e deveria ser retirado da conta. Por fim, se todas as empresas pagassem seus débitos e zerassem suas dívidas, o déficit estaria resolvido. Em outras palavras, o que os críticos dizem é que se existe déficit ele pertence ao orçamento da União e deve ser financiado por mais impostos e/ou aumento da dívida pública, é uma questão filosófica.

Uma pena que a filosofia não paga as contas, e a reforma virá de um jeito ou de outro. Em verdade, a previdência social vem sendo continuamente modificada faz décadas via lei ordinária, onde é possível. Apenas para citar algumas destas alterações temos: contribuição dos inativos, limite do INSS para os servidores públicos, fator previdenciário, fim do acumulo de gratificações para efeito de aposentadoria no setor público, fim da promoção para efeito de aposentadoria no setor público, fim transferência do benefício para filhas solteiras, introdução da média longa (80% das contribuições) no setor público, dentre outras. Inclusive, como resposta a possível não aprovação da reforma, o governo já preparou MP para elevar para 14%, ao invés de 11%, a alíquota de contribuição do setor público. Em rota contrária a todos estes cortes, contudo, o gasto com aposentadoria rural explodiu.

É verdade que o cenário apresentado hoje está contaminado pela crise recente, e é verdade que a União poderia ser um pouco mais efetiva na cobrança de suas dívidas. Mas nada disso irá resolver a situação, mesmo porque a tendência é crescimento do déficit em função do envelhecimento da população e da maior expectativa de vida. Fechar os olhos a isso é esperar o navio bater no iceberg para disputar bote salva-vidas. Algumas vezes os tomadores de decisão precisam ver o custo de longo prazo para o país mesmo quando isto representa para eles, politicamente, um grande custo individual. Ficar filosofando em algumas situações lembra muito a banda do Titanic, que tocava enquanto o navio afundava. Apesar de dar alegria e regozijo a alguns, no final o navio ia parar no fundo do mar do mesmo jeito.


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