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Observatório econômico Insegurança jurídica

Publicado em: 23/10/2017 08:00 Atualizado em: 19/10/2017 19:54

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Alunos do curso de economia aprendem desde o primeiro semestre que a segurança jurídica é essencial para o bom andamento do sistema de mercado, e esta visão é consensual desde acadêmicos até aqueles que sem qualquer instrução têm o mínimo de bom senso. Se há dúvidas quanto ao exercício do direito de propriedade, ou qualquer direito que seja, estes não podem ser exercidos em sua plenitude.


A incerteza trazida quando isto ocorre é particularmente danosa no ambiente de negócios pois este é feito, basicamente, de expectativas quanto a resultados futuros de empreendimentos e gastos presentes. Se não eu sei sequer se posso produzir no futuro quanto devo investir hoje? Este é um tipo de questionamento cuja incerteza precisa ser minimizada pelo Estado de forma a que mais investimento seja feito hoje e mais renda e emprego exista amanhã. Isto deveria fazer parte da cartilha de qualquer gestor em qualquer lugar do mundo, mas nem sempre é assim. No Brasil em particular, insegurança jurídica assume ares rocambolescos, uma verdadeira ópera bufa.

A base da segurança jurídica é o respeito as normas vigentes, com a aplicabilidade das mesmas garantidas e céleres. Não é surpresa alguma que nos países em que há mais segurança jurídica a legislação tende a ser mais simples e mais compreensível para a população. A necessidade de interpretação combinada com a multiplicidade de interpretações, por sua vez, costuma ter efeito deletério sobre a segurança jurídica. Do ponto de vista do ambiente de mercado, por exemplo, se precisa ter o máximo de certeza possível sobre a propriedade do bem/serviço, sobre as normas relacionadas a produção e sobre as condições de comercialização. Observe-se, contudo, que não se deve confundir segurança jurídica com burocracia. Uma burocracia excessiva provoca elevação de custos cartoriais bem definidos, ela reduz competitividade, mas não introduz incerteza. O pior cenário que se pode ter é a combinação de excesso de burocracia com excesso de incerteza jurídica, pois não se sabe nem onde se localiza a incerteza do processo. Em muitas situações é isso que vemos em nosso país.

Antigos escritores, ainda da época romana, associavam excesso de burocracia a corrupção e isto até nos levou a conhecida frase “criar dificuldade para vender facilidade”. A burocracia, contudo, é necessária, mas a incerteza jurídica não. E de onde ela vem? Uma razão comum é incompreensão do legislador aliada a tentativa de interpretar a letra de Lei pela autoridade constituída. Outra razão comum é quando existe conflito entre o legislador e o jurista, entre quem elabora a Lei e quem a executa.

Para o primeiro caso, para manter apenas exemplos atuais, temos a discussão de uma portaria do Ministério do Trabalho que altera as regras para identificação do trabalho escravo. O ponto é que a regra anterior é duramente criticada pelo setor produtivo por permitir interpretação subjetiva da autoridade para efeito de enquadramento na Lei, enquanto a autoridade constituída discorda do setor produtivo. Para o segundo caso temos a discussão entre o corpo da justiça do trabalho quanto a reforma trabalhista e a Lei da terceirização, onde há pronunciamento aberto para a não aplicação da Lei em função de interpretação própria.

Sequer quem dá a última palavra temos mais certeza, o que ficou evidenciado na discussão também da semana passada quanto ao papel do Congresso quanto a afastamento de seus membros ante o STF. Nem quem de fato manda nós hoje sabemos com certeza. Se há algo positivo destes fatos lastimáveis ao mercado, contudo, é que estão ficando de tal forma escancarados com divergências abertas, ativismos e manipulações, que a discussão se tornou forçada. O setor produtivo gostaria apenas de saber dos senhores legisladores, juristas e ativistas de plantão quais as regras e quem é responsável pela manutenção delas, não é muito. Como diz um antigo ditado, muito ajuda quem não atrapalha.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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