Entrevista Carlos Henrique Alexandria: Disciplina do esporte levada aos negócios Triatleta, professor e empresário promotor do Power 34 Recife fala da importância do triatlo na sua formação como empreendedor

Por: Sávio Gabriel - Diario de Pernambuco

Publicado em: 26/08/2017 09:21 Atualizado em: 26/08/2017 10:03

Foto: DP
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Com uma ampla bagagem de experiências e conhecimento nas áreas esportiva e de negócios, o empresário, atleta pernambucano e mestre em Ciência da Computação Carlos Henrique Alexandria enxergou, na junção dos dois segmentos, a oportunidade de fomentar em Pernambuco uma atividade que traz impactos diretos para a economia do estado: a realização de eventos multiesportivos. Idealizador do Power 34 Recife, que une corrida e ciclismo, ele ressalta que esportes e empreendedorismo têm em comum a dificuldade e o estímulo à capacidade de superação.  A veia empreendedora, aliada à participação de Alexandria em eventos esportivos e ao interesse do empresário de compartilhar os conhecimentos com as novas gerações, foi determinante, também, para o surgimento de duas empresas: a Uptempo, que desenvolve sistemas de monitoramento de atletas, e a Doutor Sabe Tudo, especializada em tutoria para alunos que têm dificuldade de aprendizado. Professor convidado no MBA em Gestão de Projetos de duas universidades locais, ele destaca que está em aprendizado contínuo. No currículo como atleta, uma série de troféus estaduais, nacionais e internacionais de triatlo. Em 2009, foi campeão brasileiro amador de triatlo de longa distância. Foi campeão sulamericano e brasileiro amador de aquathlon, em 2012. No mesmo ano, conquistou o campeonato pernambucano elite de aquathlon e o alagoano de triatlo Sprint, além de ter sido o campeão brasileiro de triatlo olímpico. Para o pernambucano, esportes e negócios têm suas particularidades, mas abrir a própria empresa é um processo muito mais desafiador.
 
Quando você iniciou como empreendedor e por que decidiu apostar em educação e tecnologia em eventos esportivos?
O empreendedorismo já vem de algum tempo. Por volta de 2002, 2003, ainda recém-formado, eu participei de um empreendimento no Porto Digital, de uma empresa incubada na área de tecnologia. Acabei sendo convidado por outros colegas para criar uma fábrica de software, chamada Fabrik. Foi um empreendimento que ajudou bastante a desenvolver as expertises necessárias para empreender num mercado extremamente competitivo, dinâmico e difícil.

Como funcionam suas empresas?
Há seis anos, eu e um professor amigo meu criamos a Doutor Sabe Tudo, empresa voltada a dar apoio a jovens, crianças e adolescentes que têm déficit de atenção e dificuldade de aprendizado. A gente criou um método que ajuda na dinâmica da aula particular e no encontro desses professores para essas demandas dentro do mercado. No caso da Doutor Sabe Tudo, a gente recebe a demanda de uma necessidade específica e conectamos ela com um conjunto de professores que já têm uma estrada nesse tratamento relacionado à aula particular. Com isso, a gente resolveu o problema dos pais e dos alunos, particularmente, que encontravam-se em dificuldade, tendo em vista que no modelo de sala de aula é difícil você se manter focado por muito tempo. Já a Uptempo surgiu de uma necessidade. Sou atleta produtor de eventos esportivos. Vi que no mercado brasileiro a demanda por monitoração de atletas, através da colocação de chips, era muito mal atendida. Convidei um atleta amigo e, há cinco anos, investimos o que tínhamos em compra de equipamentos para a montagem de laboratório que funcionava na minha casa e na dele. Caímos em campo, criamos um protótipo e, todos os sábados, estávamos na Universidade Federal de Pernambuco, no meio da rua, colocando os equipamentos e testando alcance e performance de leitura (dos dados), interferência, tipos de equipamentos, para chegar num estágio de hardware e software que, de fato, resolvesse o problema da monitoração de eventos esportivos. A Uptempo é uma empresa de alta tecnologia que desenvolve sistemas para monitoração de atletas em eventos esportivos. Com um chip, cujo uso é obrigatório nos eventos, eu consigo calcular a velocidade média dos atletas, a posição deles em relação a outros competidores da mesma faixa etária e do peso. Classifico eles em relação ao sexo e posso fazer o cruzamento dessas informações com outras corridas nas quais o sistema de monitoramento foi utilizado. Dificilmente você vai montar um sistema para monitoração de evento esportivo sem ter se inserido no mercado antes. Às vezes se fala: ‘Ah, eu tive um insight sobre o mercado de automóveis’. Você é do mercado de automóveis? Se a resposta é não, então não houve um insight, mas sim um outsight: uma ideia que não necessariamente está conectada à realidade. É preciso saber qual a demanda do mercado e o que ele precisa para poder rodar (o produto ou serviço). 

O Carlos empreendedor é consequência do Carlos atleta?
Primeiro veio o atleta. Eu tenho quinze anos de triatlo. Antes de surgir a UpTempo, estava há dez anos no esporte. Já tinha ganhado campeonato brasileiro, viajado o mundo competindo e vendo como era a realidade dos grandes eventos. Vi o que os atletas e organizadores precisavam, onde estavam os calos. 

Qual o mais difícil no Brasil: ser atleta de ponta ou empreender?
A gente tem como balizador o futebol, onde um jogador é negociado por R$ 200 milhões. Mas, até dentro do próprio futebol, isso é uma exceção à regra. O esporte olímpico tem um propósito muito mais nobre do que apenas a remuneração do esportista. Claro que todo mundo tem que ganhar o seu salário e sobreviver, mas quando uma pessoa quer ser atleta profissional, ela tem que ver que está inserida num mercado que não necessariamente vai trazer para ela uma renda que vai torná-la milionária. Muito pelo contrário: o atleta que se dispõe a ser profissional tem que perceber que não vai parar de estudar. Naturalmente, o corpo vai pedir descanso e o cara não vai conseguir continuar. Tem que ter essa percepção. É difícil? É. Como em qualquer outro segmento econômico, você vai ter que ralar, ter que ter sagacidade para encontrar as oportunidades, procurar as melhores conexões para conseguir patrocinadores. Com relação ao empreendedorismo, de 15 anos para cá, a coisa melhorou absurdamente. Eu falo de TI (Tecnologia da Informação), já que participo desse ecossistema. Há 15 anos o mercado de empreendedorismo em TI era muito mais incipiente que hoje. Naquela época, a incubadora era sinônimo de aluguel mais barato, uma linha de telefone sem pagar e internet. Hoje, não. Isso significa que se tornou fácil empreender? Não. Muito pelo contrário. Porque é uma coisa que envolve muito risco. Então, tanto um quanto outro tem suas nuances. Acho que não dá para comparar. 

De que forma você leva a experiência como atleta para os negócios?
O fato de eu ter sido esportista é uma vantagem. O esporte traz uma série de atributos da área afetiva que você não encontra em outro canto: a capacidade de se superar, de se motivar na dificuldade, a disciplina, o trabalho em equipe, a inovação. Principalmente no triatlo, onde você tem várias modalidades envolvidas e é preciso se reinventar várias vezes. Tudo isso torna a pessoa mais resistente para suportar o ambiente de negócio. Você se torna uma pessoa mais resiliente, mais concentrada, mais motivada, mais resistente às derrotas. Porque se tem uma coisa que você vai passar no empreendedorismo são as derrotas, e se tem uma coisa que o esporte ensina é a perder. As pessoas às vezes praticam esporte pensando que vão lá só para ganhar. O verdadeiro espírito de esportista é aquele no qual a pessoa chega em décimo lugar e tem a percepção de que não chegou na frente porque falta alguma coisa, mas às vezes chegar em décimo para ele é uma vitória, porque conseguiu fazer um tempo melhor que o anterior. São valores que quando você leva para a vida empresarial têm um valor inestimável. 

Como usa experiências de atleta e empreendedor para dar aulas?
Eu dou aula por dois motivos: o principal é que acumular tanto conhecimento e concentrar para si é um desperdício, principalmente numa sociedade onde a gente precisa melhorar muito a performance dos nossos jovens, especialmente no mercado empreendedor. O pouco que eu aprendi nesses 15 anos de empreendedorismo eu exercito em sala de aula, independentemente da disciplina. Leciono disciplinas de Gerenciamento de Projetos, que ajudam muito nessa questão empreendedora, mas também ensino disciplinas voltadas para a área técnica. Levo as experiências e tento catequizar os alunos para despertar os que têm espírito empreendedor. Graças a pessoas que tiveram essa mesma mentalidade (de não acumular conhecimento) a gente chegou aonde chegou. Então, não estou fazendo nada mais que minha obrigação para outras pessoas e gerações. E o segundo motivo é que, se você quiser dominar um assunto de verdade, não adianta só estudar. É preciso estudar para repassar (conhecimento).

Como a área acadêmica pode contribuir para seu conhecimento?
Toda vez que eu entro numa sala de aula, eu saio com conhecimentos que antes eu não tinha. Já dei aulas de disciplinas que antes nunca tinha dado e, ao final, o meu conhecimento sobre aquela matéria era absurdamente maior, mesmo estando imerso no conteúdo, tendo feito mestrado sobre aquilo. Cada vez que o professor entra na sala de aula ele dobra o conhecimento em cima daquele assunto. E isso é fantástico para o meio empreendedor, porque você começa a enxergar detalhes que antes não enxergaria se não tivesse dado aula sobre o assunto. 

Como surgiu o Power 34 Recife?
O Power 34 Recife surgiu a partir da minha experiência e dos meus sócios em triatlo. Todos os empreendedores do evento são triatletas. O 34 é referente às milhas que os atletas percorrem. E por que um duathlon? Porque aqui a gente precisa fazer só o cicilismo e a corrida pela interdição do mar, por conta dos tubarões. A gente viu que o Recife ainda não tinha um evento de multiesportes que movimentasse o mercado. Pensamos: vamos criar um que tenha como missão oferecer experiência de altíssima qualidade para esportistas e patrocinadores, nos moldes que a gente encontrou na Europa. Com esse desafio na mão e essa bagagem empreendedora, a gente lançou o piloto no ano passado, dentro da Reserva do Paiva. Lançou o calendário 2017, tentando trazer também para o Recife. No começo do ano, fizemos novamente na Reserva do Paiva e foi um sucesso. O público e os parceiros aumentaram. O evento vai ativar a Via Mangue como equipamento esportivo.

Como o evento funciona?
Temos capacidade instalada de 500 atletas. Diferentemente de corrida de rua, onde você coloca duas, três ou até cinco mil pessoas, a dinâmica acontece da seguinte forma: os atletas chegam num sábado, participam de um congresso técnico, onde é explicado todo o percurso e as regras. Eles também retiram os kits que serão utilizados. No domingo, a partir das 5h, eles começam a chegar para colocar bicicletas na área de transição. Cada bicicleta ocupa um espaço considerável. Então, se você for colocar em termos de proporção, eu digo que um evento de multiesporte para 500 pessoas equivale em termos de ocupação de espaço a um evento de corrida de rua para 2 mil pessoas. Além disso, os atletas trazem as famílias. O evento principal, para adultos, tem início às 7h, mas às 6h acontece o Power 34 Recife Kids, que é bem menor e que vai até 6h30. Além disso, o Power 34 Recife Kids tem um caráter social: crianças que participam de iniciativas sociais que utilizam o esporte como ferramenta de desenvolvimento de atributos da área afetiva, e que são voltados para aquelas que não têm condições financeiras de custear, não pagam inscrição. É emocionante você ver uma nova geração de triatletas surgindo. O dos adultos inicia às 7h e por volta da 10h30 está encerrando. Em paralelo com essa edição do evento, foi lançado o desafio de fazer também uma prova de contrarrelógio por equipes de ciclismo profissional, que começa às 8h. Serão trios de ciclistas, masculino e feminino, largando a cada 30 segundos. Possibilita àquele cara que é só ciclista, mas não corre, montar seu time. 

Qual o potencial de Pernambuco para a realização desse tipo de evento?
Pernambuco reúne todas as condições necessárias. Você não consegue realizar um evento esportivo num local que não tenha um espaço como a Via Mangue, uma rede hoteleira que comporte de forma confortável esses atletas. Não são só atletas do estado que prestigiam. Além disso, tem o apoio institucional dos órgãos de governo, fundamental para que eventos desse porte atraiam e gerem retorno econômico para a região. Pernambuco, e particularmente Recife, reúne todas as condições necessárias para a realização de eventos de altíssima qualidade que atraiam público não só da região, mas de estados do Sul, do Norte, inclusive alguns atletas vindo de fora do país. E esse é o objetivo: que o evento tome uma dimensão que a gente comece a ter não só turismo doméstico, mas também internacional. Temos alguns dados estatísticos da primeira etapa que mostram que 30% do público do Power 34 Recife são de fora. São atletas da Paraíba, do Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia e Ceará. Para essa etapa agora tem gente de Santa Catarina que já confirmou. E o triatleta tem o perfil de não viajar só, mas com a família. Porque o esporte é uma desculpa para viajar e fazer turismo.  Isso representa, para a região, um ganho econômico fantástico porque não movimenta apenas o evento esportivo. A gente movimenta o trade hoteleiro, os restaurantes, as lojas de equipamento, os shoppings centers, o mercado de transporte. Você movimenta toda uma cadeia necessária para suportar esse tipo de evento, então é muito bacana. Não é à toa que tem estados do país que recebem eventos desse tipo de braços abertos, dão todas as facilidades, fazem interlocução com agentes de trânsito para que tudo aconteça. 


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