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Observatório econômico Maioria difusa

Publicado em: 23/07/2017 08:00 Atualizado em: 20/07/2017 17:08

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
O governo federal acaba de anunciar que uma de suas medidas para lidar com a complicada situação fiscal este ano será elevar os tributos, e a primeira ação concreta será elevar aqueles que incidem sobre os combustíveis. Comentários recentes na impressa sugerem que uma das razões desta escolha é que esta ação atinge a grande maioria da população que utiliza de forma direta ou indireta gasolina e diesel, mas que apesar de ser maioria apresenta-se de forma difusa e sem poder de lobby para barrar este aumento no Congresso.


Para os economistas esta é uma explicação um tanto simplista do problema, e cuja reversão teria pouco efeito prático. Vamos explicar. A estrutura conceitual que analisa o comportamento dos consumidores e produtores considera as interações de mercado baseadas no que ocorre com a oferta e a demanda e, em ambas, se considera adicionalmente como consumidores e produtores reagem a variações no preço. Este conceito é chamado elasticidade e mede entre outas coisas sensibilidade a mudanças de preço.

Consumidores e produtores tem diferentes graus de sensibilidade em relação ao tipo de produto/serviço e ao nível de consumo/produção. Dentro daquilo que está disponível na economia há alguns produtos/serviços em particular em que eles são bem pouco sensíveis. Neste pequeno conjunto, e em geral isto diz respeito mais ao consumidor que ao produtor, o preço tem reduzida relevância na decisão de compra/venda. Podemos citar alguns casos fáceis, como energia elétrica, alimentação básica, transportes, bebidas alcoólicas, fumo entre outros. Se o consumidor é pouco sensível a mudanças de preço então temos que a quantidade consumida pouco varia quando o preço de venda sobe, em função de aumento de custo por exemplo. Ora, isto quer dizer que se você aumenta o tributo a queda de arrecadação potencial pela redução do consumo praticamente inexiste.

Não precisa se economista para intuir que este tipo de bem tende a ser tributado em excesso em função desta característica, pois a eficácia do tributo estará garantida. De fato, no Brasil e no mundo a realidade é exatamente esta, estes são os bens mais tributados globalmente e, não raro, alíquotas emergenciais de tributos recaem sobre eles justamente pela resistência da demanda ao incremento no preço final. Com lobby ou sem lobby a necessidade de arrecadar mais com custo menor e risco reduzido tende a falar mais alto.

Um pequeno exemplo. Suponha que a União incremente o preço final da gasolina em R$ 0,50 / litro e considere um indivíduo médio que percorra 30 km de carro todo dia. Admitindo 26 dias por mês e 8 km/l temos que o gasto dele vai aumentar pouco menos de R$ 50/mês. Este valor dificilmente vai levar este consumidor a mudar sua escolha de transporte e, desta forma, vai consumir praticamente a mesma coisa e reduzir a feira para compensar. Mas esta não é uma forma “injusta” do governo conseguir aumentar a arrecadação?

Para os economistas justiça é juízo de valor, e o que importa é eficiência. Esta forma é a mais eficiente? Decididamente não, pois ao concentrar tributos em segmentos específicos ela afeta os preços relativos que são a principal sinalização para os agentes decidirem o que produzir/consumir. A CPMF, por exemplo, é muito mais eficiente no sentido econômico, gera muito mais receita e afeta individualmente os agentes de forma muito mais branda embora, de fato, afete muito mais agentes. E porque não voltamos a ela? Justamente por ela ser “democrática” ninguém quer ela, e também por ser progressiva (paga mais que movimenta mais) os lobbys tende a ser muito mais fortes (nada de difusão aqui). Além disto a União destruiu a reputação do tributo duas vezes, inicialmente dizendo que ele seria só para a saúde (e não foi) e depois dizendo que ele seria temporário (e também não foi). Na hora de pagar tributo ninguém está interessado em justiça social, que paguem os outros dirão uns, que paguem os ricos que tem carro dirão outros enquanto desembolsam mais na catraca do ônibus.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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