Observatório econômico A defesa defende sempre o consumidor?

Publicado em: 09/07/2017 08:00 Atualizado em: 07/07/2017 17:19

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
As instituições que defendem o consumidor, e mesmo o cidadão, estão certamente entre o que há de mais importante na evolução do sistema de mercado no último século. Poucos teriam qualquer dúvida de sua importância no desenvolvimento social recente, mas, será que de fato o efeito é sempre positivo? Do ponto de vista da análise econômica, nem sempre a boa ação dos que defendem os consumidores se torna uma boa ação aos consumidores.


Evidente que, em princípio, toda ação dos agentes que se voltam a defender os consumidores tem por objeto algo que deva beneficiá-lo. Porque isto nem sempre acontece? Posto de maneira simples podemos dizer que as instituições que nos defendem como consumidores tem usualmente uma visão humanista e legalista do problema, e nem sempre esta abordagem funciona quando o elemento mater que gera o conflito tem natureza nas relações entre os agentes econômicos.

Em um mercado se entende que consumidores e vendedores assumem um processo de barganha onde cada um tenta realizar seus melhores interesses. Consumidores que querem comprar o máximo pelo mínimo, e vendedores querem vender o mínimo pelo máximo, simplificando a discussão. A necessidade de defesa do consumidor reside no fato de que, não raro, o lado dos vendedores possui mais, ou muito mais poder no processo de barganha que os consumidores e, neste caso, se diz que o mercado é falho.

A ação da defesa do consumidor, vista por este prisma, está centrada em reduzir o poder de barganha do vendedor de forma a reequilibrar na medida do possível o processo de troca. A ação não deveria se focar, a princípio, em elevar o poder de barganha do consumidor pois neste caso você estaria tratando uma distorção criando outra, certamente não uma boa ideia. Porém, em função da tal visão humanista e legalista frequentemente é isto que é feito, e o resultado muitas vezes está longe de ser razoável.

Um caso típico, que chega a ser de livro-texto, é o que acontece no segmento de planos de saúde. A literatura consagra que o modelo separador é necessário para evitar risco moral e seleção adversa por parte dos segurados, ou seja, que segurados assumam mais riscos quando compram seguros, e que os de menor risco não sejam compelidos a sair porque o plano fica caro quando é tomado por usuários de alto risco.  Ora, a ação da defesa do consumidor aqui seria permitir maior segregação de usuários e pacotes para que todos os perfis fossem cobertos. Porém, perfis muito segregados envolveria a desumanidade de procedimentos negados a alguns, e a ação típica é impor planos padronizados para todos. Resultado prático, preços explodem e o usuário médio fica sem plano nenhum.

No mundo do trabalho é bem parecido. No afã de defender o trabalhador contra o poder de barganha dos patrões os órgãos de defesa criam um sem número de leis que protegem quem está empregado. No entanto, como trabalho é insumo de produção, quanto mais caro ele fica mais o mesmo tende a ser substituído e/ou tem seu uso reduzido. Como resultado, enormes arcabouços de defesa do trabalhador se tornam vitrine para multidões de desempregados.

A necessidade de órgãos de defesa do consumidor é vital para o desenvolvimento de nossas sociais-democracias, porém é preciso sempre ter em mente que a relação de consumo é uma relação de mercado. Perder este referencial por vezes gera mais prejuízo que proteção ao consumidor.

(*)Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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