Observatório econômico Smith sempre esteve certo

Publicado em: 30/04/2017 08:00 Atualizado em: 28/04/2017 19:03

Por Fernando Dias (*)
 
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
No longínquo ano de 1776 saiu uma das obras mais importantes da literatura mundial: A Riqueza das Nações, na qual o filósofo britânico Adam Smith ofereceu ao mundo uma primeira sistematização de como funciona uma economia de mercado e cunhou o conceito da mão invisível, mecanismo pelo qual as pessoas agindo por interesse próprio conduziam a sociedade como um todo ao melhor resultado possível em termos de satisfação através de uma economia de mercado. Séculos depois os economistas, categoria que surgiu a partir da semente de Smith para a formação da Ciência Econômica, percebem de forma cada vez mais clara que as economias organizadas através do mercado de fato são as que geram, de longe, as melhores condições sociais, embora questões como a desigualdade permaneçam sem soluções definitivas nos manuais destes cientistas.


Qual o grande “pulo do gato” que Smith trouxe? A visão do homem egoísta agindo sempre pensando em seu próprio interesse, uma antítese do cidadão idealizado pelas influentes religiões de sua época, e um conceito difícil de digerir aos cientistas sociais até o presente. Este cidadão egoísta tenta sempre a melhor alternativa para si próprio e ao encontrar outros que são iguais a ele, barganha até que arranjos mutuamente benéficos sejam aceitos. A força do liberalismo econômico está em permitir que os cidadãos tomem suas próprias decisões, e a tutela do Estado tipicamente gera ruído no processo de negociação e termina por criar distorções de variadas dimensões. Evidente que no mundo moderno não se concebe uma sociedade sem Estado e, desta maneira, devemos esperar que em qualquer sociedade diferentes tipos de distorções sejam encontradas, levando à contínua necessidade de ajuste na medida em que os grupos de pressão, que guiam estas distorções, perdem ou ganham capacidade de influência.

No Brasil não poderia ser diferente e a atual disposição do governo federal em promover diversos ajustes, de elevado espectro em nossa sociedade, permite uma rara ocasião onde se pode visualizar de forma clara estes grupos de pressão em relação aos pontos em que foram beneficiados ou prejudicados por distorções ocorridas no passado, muitas em função da atuação do próprio Estado em determinar padrões de comportamento e barganha entre os agentes. A reforma trabalhista, por exemplo, extremamente ampla na forma do substitutivo aprovado na Câmara e enviado ao Senado, escancara a imensamente burocrática e tutelar forma como o Brasil regulamentou seu mercado de trabalho nos anos 1940. Absolutamente inflexível na proteção do trabalhador que vinha do campo para a cidade (e há poucas décadas era escravo), o sistema de leis foi proposto de forma a, justamente, evitar a barganha entre capital e trabalho, transferindo esta função para o Estado. Ao longo do tempo, isso criou barreiras à expansão do mercado formal, prejudicou imensamente quem deseja entrar no mercado e limitou a expansão da renda dos que ficaram protegidos em função do impacto negativo sobre a produtividade. Hoje, como esperado, quem está protegido quer manter a proteção e para tanto tenta convencer quem está fora que não vale à pena trocar maior chance de se empregar, e de ganhar mais, por maior segurança caso seja empregado. Já sindicatos, receosos de perder sua fonte de renda certa sem esforço, racionalmente lutam para convencer a sociedade que nunca ouviu falar deles de sua enorme importância em um arranjo onde o Estado tutela a relação entre trabalho e capital.

E a previdência? Categorias que jamais pensaram em greve, fazem declarações bombásticas de apoio a defesa da sociedade, justamente as que serão mais afetadas pela reforma, as que ganham mais, que ganham mais cedo e que ganham por mais tempo. Nunca antes na história deste país houve cidadãos agindo exatamente como Smith previa, agindo no espírito do liberalismo egoísta, foram a rua demonstrar que, no fundo, o pai do liberalismo tinha razão.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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